A fórmula é velha, o tema é atual e as piadas são boas. Esse combo infalível faz de "O Professor", série da FX no ar pela Disney+, o tipo de comédia reconfortante que diverte sem deixar de provocar, mas também sem exigir demais do cérebro.
Criada pelo ator Brian Jordan Alvarez, a sitcom sobre a vida de um professor de inglês —gay, de origem latina, branco e criado no conservador sul dos Estados Unidos — às voltas com a batalha cultural quase campal que invadiu as salas de aula americanas.
Alvarez, que ascendeu à fama em vídeos curtos no YouTube e a consolidou espertamente antes da estreia de sua série com dancinhas no TokTok, é também o protagonista da série, Evan Marquez, um alter ego pouco disfarçado do próprio comediante.
Aos 34 anos, ele leciona em uma escola pública nos arredores de Austin, uma cidade progressista fincada no Texas, um bastião conservador, por sentir que sua missão maior é expandir os horizontes de adolescentes pela literatura.
É uma zona cinzenta entre direita e esquerda, onde ele se vê dividido entre as demandas de alunos LGBTQIA+ (e aliados), pais horrorizados com o teor sexual de livros clássicos ("O Grande Gatsby"), o apreço de alguns colegas por armas de fogo, adolescentes que se autodiagnosticam com síndromes descobertas em redes sociais.
Está ali também o repertório comum a séries deste subgênero (bullying, popularidade, romance, solidão etc), além dos perrengues de se lecionar em escola pública, estes abordados também na excelente "Abbott Elementary".
A sacada de Alvarez é que ele não poupa nenhum dos lados para fazer rir. Aborda de forma leve temas que geram briga ou tristeza (pense num encontro entre o Escola Sem Partido e os movimento progressistas mais inflexíveis) e, com um texto ágil e um carisma algo inesperado, consegue.
A própria persona de protagonista garante terreno fértil para esse experimento. Ele é gay e filho de mãe colombiana, além de ensinar literatura, o que faz com que os colegas e alunos o esperem na frente das trincheiras dos movimentos identitários.
Só que Evan, o personagem, é também autocentrado demais para tanto, lento para absorver as mudanças no comportamento dos adolescentes e transigente com seus amigos conservadores — que também o escutam e o aconselham.
Sim, ele é um espécime raro, tão raro que se torna, mesmo com todos os seus erros e defeitos, inspirador em sua tentativa de atravessar esse campo minado ao lado de um diretor niilista (Enrico Colantoni); da melhor amiga Gwen (Stephanie Koenig), dividida entre o ímpeto feminista e o desejo de ser cortejada, e do professor de educação física conservador porém estranhamente doce Markie (Sean Patton).
Talvez seja isso o mais cativante em "O Professor": apresentar um mundo com ideias muito parecidas com as do nosso, mas no qual as pessoas que pensam de forma diferente umas das outras tentam persuadir os demais ao invés de simplesmente odiá-los. A resultante se alterna entre o absurdo quase surrealista e uma comédia com um quê gratificante.
A série apareceu na lista de melhores do ano do New York Times não sem motivos. É curta (22 minutos, 8 episódios), ligeira sem ser rasa, ácida e muito, muito atual.
A primeira temporada de "O Professor" está disponível no Disney+.