A falta de serviços produtivos e de educação financeira para os mais vulneráveis aliada à ausência de regulação das bets é danosa. Gostaríamos de ser muito generosos com os vulneráveis, com responsabilidade fiscal. É uma vitória que tenhamos o maior valor histórico do Bolsa Família. Mas, assim como o valor melhorou, gostaríamos que o desenho do programa fosse o melhor possível também.
O uso de recursos do Bolsa Família por beneficiários para apostas online revela que precisamos melhorar o benefício. Entendemos que existam restrições fiscais, mas não há restrição para readequações do programa.
É consensual que o desejado deveria ser per capita, calculado a partir do número de membros de uma família. O contrário cria incentivos perversos.
Por exemplo, uma família de dois adultos recebe R$ 600 e uma família de um casal com um filho de 19 anos ganha o mesmo. Além de injusto, o incentivo que damos para que as famílias se declararem duas vezes sob o argumento de que não compõem um mesmo núcleo é grande.
Tão grave quanto essa desigualdade é o fato de que se um dos membros do casal encontrar um emprego de salário mínimo acrescido de R$ 0,50 perde completamente o programa, sem qualquer transição gradativa e que o incentive a entrar no mercado de trabalho de forma amigável.
O que fazemos ao tirar o Bolsa Família de quem consegue trabalho é gerar insegurança. Não temos uma rede de cuidado com o trabalhador para qualificá-lo profissionalmente, fornecer acesso a microcrédito, intermediação de mão de obra, entre outros. Transferimos renda, mas somos abruptos na saída do programa e não cuidamos da inserção dos beneficiários no mercado de trabalho.
A consequência desse desenho é termos um declínio da taxa de ocupação dos mais vulneráveis ano após ano. Entre os 10% mais pobres, saímos de uma taxa de ocupação de 54% em 2001 para 24% em 2023, menos da metade do que tínhamos há 22 anos.
Um exemplo anedótico: um motorista que faz fretes tem problemas financeiros e vende o caminhão para pagar dívidas. Ele perde o emprego e passa a viver do Bolsa Família. Qual a resposta do Estado? Entregar o benefício, um grande primeiro passo. Depois, não apoia a elaboração de um novo plano para a compra de um novo veículo ou para que ele trabalhe com aplicativo. Não há qualquer outro projeto para auxiliá-lo com as habilidades de trabalho que já possui.
Temos um histórico no combate a cassinos, jogo do bicho e outras práticas danosas, como o cigarro e a bebida alcoólica. No verso da caixa de cigarro tem uma foto nada amigável com uma mensagem explicando todos os malefícios que acarretam seu consumo. Onde está o equivalente dessa foto para as bets?
Na contramão não faltam propagandas e vídeos no YouTube e Instagram dando a entender que aquele é um caminho fácil de ascender socialmente. Talvez essa seja a única narrativa que chegue aos mais pobres. E vamos punir quem joga?
A entrada dos mais vulneráveis nas bets pode revelar um desejo de ir além da transferência de renda, mas, infelizmente, eles são vítimas da ausência de educação financeira e de regulação do setor.
Onde está a oferta de serviços que apoie o real caminho da ascensão social? E a regulação, de que forma está adequando a mensagem à realidade que se impõe? Se é ruim para o pobre, é ruim para todo mundo. Ensinar, explicar e trazer alternativas de ascensão social é crucial.