Às 2:30 da manhã ouvi uma voz aguda chamar do outro quarto: "mamãaaaaae". Levantei atordoada, tateando no escuro, me esforçando para não bater a canela na quina da cama como já fiz tantas vezes, enquanto a voz seguia chamando.
Cheguei no quarto ao lado e tentei acalmar a criança que gritava. "Chiiiiii, chiiiiiii, mamãe tá aqui, mamãe tá aqui", repeti baixinho enquanto carregava o menor em direção à porta, num iludido esforço de não acordar a maior que dormia na cama ao lado. Em vão. Antes de colocar a mão na maçaneta, vejo sua cabeça levantar do travesseiro e, percebendo que estava prestes a ser deixada sozinha, ela pede para ir conosco para o outro quarto.
Dormi um total de cinco horas essa noite. A noite anterior tinha sido das boas: seis horas com apenas uma interrupção.
Tem sido assim nos últimos 15 dias, uma rotina intensa de maternidade solo temporária enquanto o pai das crianças viaja a trabalho. Não que a intensidade seja muito menor quando estamos ambos aqui, mas pelo menos a equação casa + trabalho + crianças é dividida por dois.
A verdade é que faz cinco anos que estou exausta. Para além do cansaço físico e mental, também faz cinco anos que não faço exercícios físicos e sinto dores no pescoço e nas costas dia sim, dia também e que cuido da alimentação das crianças e não da minha. Cinco anos que afetaram minha autoestima física e profissional. Cinco anos de gastos exorbitantes com creche, fralda, comida, leite em pó, roupas e com apetrechos que me disseram que eram indispensáveis, mas sem os quais eu poderia definitivamente ter vivido.
Não é à toa que uma recente pesquisa mostrou que nove em casa dez mães no Brasil sofrem com o "burnout parental", termo comumente usado para se referir ao esgotamento no ambiente de trabalho, mas que pode também acontecer devido às pressões e à sobrecarga da parentalidade.
A pesquisa mostrou ainda o óbvio ululante: que mulheres indígenas, pardas e negras, assim como aquelas com menos escolaridade, mães solo e mães atípicas são os subgrupos que mais sofrem.
Em comum todas essas mães desabando experimentam a falta de apoio. Algumas mais que outras. Num mundo cada vez mais individualista e acelerado, a noção da tal "vila" que contribuiria para a criação dessas crianças foi para o brejo. E se não tem vila, quem tem dinheiro contrata babá e folguista, e quem não tem, tenta sobreviver a essa conta de soma de funções que simplesmente não fecha.
Outro dia, me deparei com uma entrevista com a Paula Burlamaqui. Perguntada sobre como está encarando o processo de envelhecer, a atriz de 57 anos respondeu: "Eu fico apavorada. Fico pensando: quem é que vai cuidar de mim? Se eu tiver uma demência? Alguma incapacidade, quem vai cuidar de mim? Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria um filho só para garantir um bem-estar na minha velhice".
Entendo a preocupação de Paula, especialmente num país cuja pressão para reproduzir é enorme ao mesmo tempo que o abandono aos idosos é uma realidade tão flagrante. Mas a pergunta que ecoa em mim é outra, voltada para as mães do presente: quem é que cuida de nós no agora? E se o cuidado com os outros não permite que cuidemos de nós mesmas hoje, o que será de nós amanhã?
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