Opinião - Joanna Moura: A vocação do esporte em transformar rivalidade feminina em sororidade

há 4 meses 27

Inveja, substantivo feminino. Diriam alguns, bota feminino nisso. E, sem pensar muito, confesso que tenderia a concordar. Nesses 40 anos de vida, nunca ouvi um homem sequer dizer sobre outro: "Ele deve estar é com inveja". Ou algum cantor famoso apontar o recalque de algum rival.

Por outro lado, a cultura popular feminina é povoada de inveja. Como já cantava Valesca Popozuda, "beijinho no ombro só pras invejosas de plantão".

O pecado mais feminino de todos não se tornou parte do vocabulário e imaginário das mulheres à toa. Desde que o mundo é mundo, somos levadas a acreditar que estamos em constante estado de competição umas com as outras, sempre em lados opostos da arena, nunca colegas, sempre rivais.

E se tratando de competição, há sempre alguém que está ganhando e alguém que está perdendo, alguém que está por cima e alguém que está por baixo. Aprendemos portanto a olhar umas para as outras através da lente cruel do comparativo que, invariavelmente e, em tempos de redes sociais mais do que nunca, nos joga para baixo.

A inveja feminina é filha dessa insegurança. Da ideia produzida também pelo machismo estrutural de que há tão pouco espaço para nós, que ter alguém ao seu lado que é melhor do que você é restringir a sua própria capacidade de ocupar o mundo.

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E assim poderíamos seguir. Bebendo dessa água que nos venderam, olhando umas para as outras como oponentes em busca de um pódio tão limitado que não permite mais que uma de nós em cada degrau. Mas o palco Olímpico de Paris parece querer provar o oposto.

Já em Tóquio era possível ouvir o vento mudando. Sussurrando sororidade nos ouvidos de quem estava lá para competir. Foi assim quando Simone Biles anunciou que não competiria nas finais para focar em sua saúde mental e, mesmo assim, torceu fervorosamente da arquibancada por Rebeca Andrade.

Menos de quatro anos depois, Paris parece ecoar esse mesmo sentimento, um evento em que o pódio parece ter crescido para nos dar mais espaço. Desde o espetáculo de abertura que contou com shows de Lady Gaga e Celine Dion, com a performance do hino da França realizado pela mezzo-soprano Axelle Saint-Cirel e com a pira olímpica sendo acesa por Marie-José Pérec, que dividiu o momento com Teddy Riner.

Na delegação do Brasil, pela primeira vez temos maioria feminina. As mulheres compõem 55% do total de atletas da nossa delegação e já chegam nos proporcionando medalhas e momentos memoráveis que, como mulher e torcedora, me enchem de orgulho.

Não sou de acompanhar esporte, mas confesso que esses dias me pego com os olhos cheios d’água toda vez que me prostro em frente à televisão. Mas a verdade é que não são as medalhas que me emocionam, ou as performances fenomenais, mas a humanidade que é possível observar nos momentos que não contam ponto. Chego à conclusão de que os Jogos Olímpicos e o universo do esporte como um todo parecem ter dado um duplo twist carpado nessa herança cultural cruel de que, como mulheres, não estamos do mesmo lado. O que foi feito para ser uma coroação daqueles que vencem sobre aqueles que perdem, mostra-se cada dia mais um espaço de torcida e acolhimento, especialmente entre mulheres.

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