Opinião - Jerson Kelman: Perda de faturamento de usinas eólicas e solares

há 19 horas 1

No passado, uma nova usina de geração de energia elétrica que se interligasse ao sistema de transmissão em alta voltagem era caracterizada pela quantidade de energia que produziria durante uma seca extrema e pelo preço unitário dessa energia.

O ritmo de entrada de novas usinas obedecia ao planejamento governamental centralizado, como na União Soviética. O parque gerador era constituído quase inteiramente por usinas hidroelétricas, que conseguem injetar na rede elétrica a sua plena potência quase instantaneamente, caso necessário. Assim como uma Ferrari, ao fazer uma ultrapassagem. Havia também as termoelétricas flexíveis, que eram acionadas apenas durante as secas.

Ambas, hidro e termoelétricas, utilizam máquinas síncronas, cuja inércia é fundamental para manter o equilíbrio instantâneo entre produção e consumo de eletricidade.

No presente, parte relevante da matriz é formada por geradores solares e eólicos, que têm a vantagem de não depender de combustíveis fósseis, assim como as hidroelétricas. Porém, têm a desvantagem de não possuir os atributos "Ferrari" das hidroelétricas. Por isso a variação de ventos e insolação ao longo do dia pode provocar falhas e instabilidades na rede elétrica. Para evitar blecautes, o Operador Nacional do Sistema (ONS) às vezes restringe a geração de fontes solares e eólicas. É o chamado curtailment.

O problema se agrava quando insolação e vento fortes coincidem com fraca demanda energética. Situações desse tipo ocorrem cada vez mais frequentemente porque o Congresso Nacional tem aprovado leis e adotado procedimentos que desmantelam a governança do setor elétrico e incentivam a instalação de novas usinas de geração de forma descontrolada, desatrelada do crescimento da demanda.

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Quando ocorre um curtailment, o gerador solar ou eólico tem que comprar de outros geradores a energia que vendeu e que poderia produzir, mas que foi impedido de injetar na rede.

Segundo a regra atual, esse gerador tem direito a ressarcimento —custeado por todos os consumidores via encargo setorial (embutido nas contas de luz)— apenas quando o curtailment é causado por alguma indisponibilidade do sistema de transmissão. Nas outras situações, cada prejuízo deve ser arcado pelo correspondente gerador. Em 2024, a soma desses prejuízos atingiu cerca de R$ 1 bilhão.

É compreensível que os geradores eólicos e solares queiram ampliar as regras de ressarcimento, o que elevaria a conta de luz de todos os consumidores. Afinal, são também vítimas de uma legislação mal concebida.

Porém, quando o ONS provoca um curtailment devido à ausência de atributos necessários à segurança sistêmica desses geradores, ou devido à súbita variação da demanda energética agregada por efeito de igual variação da geração distribuída (telhados ou "fazendas" solares), não me parece razoável que o correspondente custo seja alocado à maioria dos consumidores, na forma de um encargo mais gordo embutido na conta de luz.

Afinal são esses consumidores que já pagam caro pelos serviços sistêmicos prestados pelas usinas hidroelétricas e termoelétricas. Ou seja, penso que o custo do curtailment deveria ser alocado a quem objetivamente lhe deu origem, mesmo sem intencionalidade.

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