Opinião - Gustavo Alonso: Silvio Santos sertanejo

há 4 meses 14

A morte de Silvio Santos gerou enorme repercussão nas mídias nacionais e muitas análises. No entanto, uma faceta de Silvio permaneceu encoberta, mesmo uma semana após sua morte. Silvio Santos é um dos principais responsáveis pelo sucesso nacional da música sertaneja.

Fundado em 1981, o SBT sempre teve uma pegada popularesca. Na mesma época, um gênero musical crescia debaixo das entranhas da indústria cultural. Também de matriz paulista, a música sertaneja foi conquistando cada vez mais público na década de 1980, superando os horários matutinos e vespertinos nos quais era exclusivamente tocada nas rádios.

Diferente do que prega a memória coletiva, não foi a Globo a responsável pelo sucesso nacional da música sertaneja. Estes louros são do paulistano SBT, uma TV então nascente e sem tradição, que se associou à música sertaneja catalisando o sucesso comercial de ambos.

Diferentemente da regional TVS, antecessora do SBT, o canal de Silvio nos anos 1980 era transmitido nacionalmente via satélite. Era preciso repensar culturalmente o Brasil que se formava no pós-ditadura e a música sertaneja foi a estética escolhida para fazer par com o popular-massivo das "colegas de trabalho" de Silvio.

Em 1986, Silvio criou o programa Chitãozinho e Xororó no SBT, no qual os irmãos paranaenses cantavam sucessos e recebiam convidados como Leandro e Leonardo, Trio Parada Dura, João Mineiro & Marciano, Valderi e Mizael, Teodoro & Sampaio, Gilberto e Gilmar e Alan e Aladin, entre outros. O programa durou até 1988 e ajudou a nacionalizar a música.

Chitãozinho e Xororó estavam conscientes dos poderes da mediação televisiva. No especial de fim de ano do SBT de 1988, eles fizeram questão de mostrar que buscavam uma mudança no cenário cultural, como manifestou Xororó em entrevista à época: "A exemplo do que acontece nos Estados Unidos, onde a country music é tocada diariamente nas rádios, em qualquer horário, lutamos para que a música sertaneja seja executada em igualdade de condições com a chamada MPB e o rock. A gente já tinha muito nome no Sul, no centro do país, mas éramos pouco conhecidos no Norte e Nordeste. Com o programa no SBT em rede nacional, nosso trabalho, a música sertaneja como um todo, passou a ser mais massificado. Isso foi muito bom para nós e para a música sertaneja".

Em 1987, além de Chitãozinho e Xororó, João Mineiro e Marciano e Milionário e José Rico ganharam horários na grade do SBT. Aproveitando a onda favorável aos artistas do sertão, até Rolando Boldrin foi para o SBT, onde apresentou o Empório Brasil de 1989 a 1990, de linha estética mais caipira.

O sucesso do programa de Chitãozinho e Xororó foi tamanho que estimulou Silvio a patrocinar o disco "Sertanejo 86", uma coletânea daquelas novas músicas que ganhavam o público nacional. O disco foi produzido pelo SBT em parceria com a gravadora Copacabana, especializada no gênero. Ao perceberem o sucesso da empreitada, mais dois discos foram lançados, "Sertanejo 88" e "Sertanejo 89", ambos também coletâneas dos sucessos anuais.

Além desses programas Silvio criou o Musicamp, comandado por Wagner Montes, Christina Rocha e Sonia Lima, que durou de 1987 a 1990. O Musicamp foi um programa produzido em parceria com Chantecler-Continental, em resposta à preferência inicial da rede de Silvio Santos pelos artistas da Copacabana. Nos dois discos lançados pelo selo Musicamp só havia artistas da Chantecler-Continental, entre eles Chrystian e Ralf, Milionário e José Rico, Matogrosso e Mathias, Duduca e Dalvan e Roberta Miranda.

Fazendo valer a relação histórica do SBT com a música sertaneja, o apresentador Gugu Liberato criou o programa Sabadão Sertanejo em 1991 na emissora de Silvio Santos. Na época Gugu apresentava com grande sucesso o Viva a Noite, que misturava musicais e gincanas de artistas. Inicialmente o Sabadão Sertanejo era um musical de curta duração, que buscava trazer audiência para o Viva a Noite. Mas o sucesso foi tanto que acabou destronando o programa original.

A nova atração ia ao ar às 22h, e tornou-se a principal janela para a música sertaneja na televisão brasileira. Diferentemente do Viva a Noite, o Sabadão Sertanejo era simplesmente um musical. As duplas eram chamadas ao palco e cantavam uma ou duas canções, recebiam discos comemorativos das vendagens e respondiam breves perguntas do apresentador.

O Sabadão Sertanejo atingiu logo o posto de segundo programa mais visto da emissora, apenas perdendo para o Topa tudo por dinheiro, que era apresentado pelo patrão Silvio Santos. A boa audiência era proporcional às críticas das grandes mídias. Em 21 de julho de 1991, a Folha criticou a moda sertaneja televisiva em reportagem de título: "Onda neojeca expõe face retrógrada do país".

Além de promover shows por todo o Brasil, a empresa artística de Gugu Liberato, a Promoart, juntou-se à gravadora Continental-Chantecler para a produção de três coletâneas sertanejas. O primeiro LP Sabadão Sertanejo foi lançado em 1991; o volume dois saiu no ano seguinte, e a terceira edição, em 1994.

Silvio era tão próximo dos sertanejos que acabou por se tornar parente de um deles. Sua filha Silvia Abravanel casou-se com Gustavo Moura, cantor do gênero.

A memória de Silvio Santos foi louvada pelos artistas sertanejos quando de sua morte. O festival de Barretos deste ano homenageou o apresentador com uma imagem de seu icônico microfone e a palavra "eterno" projetados no Monumento ao Peão, um dos principais pontos da maior festa de rodeio do país. A dupla Edson e Hudson também celebrou o apresentador em seu show em Barretos e Leonardo cantou "Não aprendi dizer adeus" em homenagem a Silvio em um show em São Paulo.

Silvio Santos, Gugu e o SBT trouxeram os artistas do interior para o primeiro plano nacional. Através de uma relação de mútuos granhos, a música sertaneja consolidou-se nacionalmente formatada pela cultura do espetáculo televisivo. E o SBT tornou-se a segunda emissora do país.

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