Opinião - Gustavo Alonso: A música sertaneja e o bolsonarismo

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Dependendo da época em que está fazendo sucesso, a música sertaneja é associada por seus críticos a governantes malditos. Nos anos 1990 a música sertaneja foi chamada de "trilha sonora da Era Collor". Era uma forma de associar a música ao contexto político e econômico do famigerado governo do ex-presidente alagoano.

Recentemente vários sertanejos apoiaram Bolsonaro. Isso reforçou o imaginário de que os sertanejos seriam intrinsecamente conservadores e fascistas. O ator Pedro Cardoso chegou a dizer, há alguns meses, que o sertanejo é "a música do fascismo brasileiro".

Tal associação direta entre gêneros musicais e governos quase sempre cai no simplismo. Como enquadrar Marília Mendonça, que participou do "#EleNão" em 2018? Ou a sertaneja Lauana Prado, bissexual assumida, eleitora de Lula? Reduz-se a história e a cronologia de todo um gênero musical a marcos políticos tradicionais, alinhavando-se dissonâncias.

Associar música a governos é sedutor. E não é um ponto de vista exclusivo dos analistas da música sertaneja. Foi lançado esta semana no Disney+ o documentário "Beatles' 64". Produzido por Martin Scorsese e dirigido por David Tedeschi, o filme analisa o momento em que os Beatles chegaram à América em 1964.

O filme defende a tese de que os Beatles fizeram sucesso nos EUA pois pegaram carona na carência dos americanos em relação à morte do ex-presidente John Kennedy, assassinado no ano anterior. Trata-se de uma tese simplória demais para todo um fenômeno cultural complexo como a beatlemania.

Explicações semelhantes existem na música brasileira. Quando se lê sobre Bossa Nova, é frequente os autores relacionarem os anos modernizantes de JK ao advento da arte de Tom Jobim e João Gilberto, como se um espelhasse o outro.

Embora associações assim sejam sedutoras, elas também são por demais redutoras. Segundo este ponto de vista, se um governo é louvável, o gênero fomentado também o é. Se um governo é maldito, o gênero musical que floresceu no seu período deve também ser descartado.

Esquece-se, por exemplo no caso da Bossa Nova, que, apesar da imagem positiva de Kubitschek nos dias de hoje, o mineiro sequer conseguiu eleger seu sucessor, pois seu governo foi emparedado com graves acusações de corrupção.

Em relação à música sertaneja, esquece-se que o sertanejo universitário floresceu em meio aos primeiros governos Lula. A estética tinha tudo para ser vista como herdeira da expansão universitária do petismo e da ascensão da chamada classe C. E como grande parte dos brasileiros, os sertanejos estavam entre os milhões que deram mais de 80% de popularidade a Lula no final da primeira década do novo milênio.

Mas os sertanejos nunca foram aceitos pelo petismo, muito menos vistos como "filhos da era Lula". Com o tempo, assim como a sociedade brasileira, uma parte dos sertanejos radicalizou-se. E tudo pareceu se encaixar como sempre deveria ter sido. Os bons e os maus, cada vez mais claros. A dicotomia do olhar reduz a realidade.

A música sertaneja tal como a conhecemos remonta aos anos 1950, muito antes de Collor, Lula ou Bolsonaro. E até antes da própria definição de agronegócio existir. Reduzir a história de um gênero musical ao presidente de ocasião ou à dinâmica econômica atual limita o olhar e simplifica a cultura massiva popular, colocando-a em caixinhas de fácil entendimento, mas que não dão conta dos dilemas culturais nacionais.

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