O manual do governo para adquirir e manter poderes extraordinários sobre a população já é bem conhecido. E ele é o mesmo em todo o mundo.
Primeiro, os políticos convencem os cidadãos de que estão sob grave ameaça de um novo perigo existencial (comunistas, fascistas, terroristas, etc). A única forma de se proteger contra essas ameaças, insistem, é permitir que os líderes assumam poderes antes inimagináveis.
Se houver preocupações sobre os riscos desses poderes, os líderes políticos dizem: não se preocupem, essas medidas são apenas "temporárias". Mas raramente são.
Nas semanas após o ataque de 11 de setembro nos EUA, o governo Bush convenceu o Congresso e o público a aceitarem uma lei radical chamada "Patriot Act". Essa lei concedeu ao governo americano poderes antes impensáveis de detenção e vigilância.
Mas George W. Bush e seus aliados tranquilizaram os críticos: não há com o que se preocupar, esses poderes são apenas temporários, até que a ameaça terrorista diminua. Essa lei, caracterizada como temporária, foi repetidamente renovada pelo Congresso.
Na maioria das vezes, ele tem sido usado muito além de seu propósito original de combater o terrorismo. E agora, tornou-se, 24 anos depois, uma parte normalizada da vida política americana que poucos questionam.
Não há dúvidas de que, no Brasil, o STF concedeu a si mesmo poderes extraordinários e radicais. Sabemos disso porque o próprio STF reconheceu isso repetidamente.
Em 2019 –há cinco anos completos–, o tribunal criou o "inquérito das fake news" e concedeu a um ministro, Alexandre de Moraes, poderes praticamente ilimitados para investigar criminalmente críticas ao tribunal (a maioria do STF caracteriza críticas como "ataques" à democracia brasileira).
Durante as eleições presidenciais de 2022, Moraes tornou-se o supervisor singular do discurso político online, ultrapassando os poderes de qualquer autoridade no mundo democrático. Na época, a ministra do STF Cármen Lúcia reconheceu que a aprovação desses poderes era uma medida "extremamente grave", acrescentando que era necessário devido à "situação excepcionalíssima" das eleições de 2022. Mas ela garantiu que os poderes de Moraes eram temporários e seriam válidos apenas "até o dia 31 de outubro", expirando automaticamente "exatamente um dia subsequente ao do segundo turno".
Mas Moraes simplesmente continuou a usar esses poderes supostamente temporários muito após a data de expiração e, de fato, nunca parou de utilizá-los. Enquanto isso, o "temporário" inquérito das fake news do STF está agora em seu sexto ano completo, sem fim à vista.
Tudo isso levou o New York Times a entrevistar o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, em outubro. O jornal perguntou: "Já se passaram dois anos desde a eleição, e o tribunal manteve seus poderes ampliados. Vários altos funcionários do governo me disseram que estão preocupados porque essas investigações ainda não terminaram. Quando isso vai acabar?"
Barroso respondeu: "Acho que em breve. Quase tudo que precisava ser investigado já foi investigado... Não é razoável imaginar que, até o final deste ano ou início do próximo, isso possa ser encerrado". O presidente assumiu compromissos semelhantes em entrevista a este jornal em agosto.
O fim do ano chegou e passou. Estamos agora no "início de" 2025. Alguém acredita que o STF está sequer considerando, muito menos planejando, finalmente renunciar a esses poderes radicais nas mãos de Moraes? Pelo contrário, essa perspectiva parece cada vez mais improvável, dado que –como sempre ocorre com os "poderes temporários"– há novos supostos perigos, na forma de mais evidências de uma tentativa de golpe, que, insistirão, exigem que o STF mantenha esses poderes indefinidamente.
As pessoas podem –e de fato o fazem– debater se o STF deveria ter se permitido conceder esses poderes de censura e autoridade investigativa radical. Independentemente da opinião de cada um, até o próprio presidente do tribunal reconhece que esse esquema deve chegar ao fim em breve. Isso acontecerá? E, se sim, quando?