Opinião - Djamila Ribeiro: Vida de escritora

há 1 mês 7

A série dos orixás que estou mantendo nesta Folha está chegando perto de seu fim. Isso, claro, não significa que eu vá parar de escrever sobre orixás —seria o equivalente a alguém anunciar que vai parar de respirar porque já respirou bastante. Mas significa que não estarei mais tão obediente a uma sequência. A vida não funciona assim, então por que minha coluna funcionaria? Isso que comecei a pensar antes de escrever este texto.

Na verdade, preciso dizer a vocês que essa série nasceu de forma tanto ocasional quanto estratégica. Ocasional porque eu não estava pensando em iniciá-la, até iniciá-la. Quando escrevi um texto sobre Iansã, logo após um texto sobre Oxaguiã, percebi que se escrevesse sobre mais uma divindade diferente na semana seguinte faria uma sequência inédita e, claro, inesperada até por mim.

Esta coluna se tornou pertinente, a ponto de justificar o empenho dessa ordem, quando paralelamente a isso enviei um livro para publicação na editora Caminho, em Portugal. O livro é a reunião dos artigos publicados neste espaço desde 2019. Enviei os textos em ordem cronológica para meu editor Zeferino Coelho ler. Por ser tanto material —é impressionante ver o que é a soma de cinco anos de texto por semana— e, portanto, tão maleável a diferentes ideias possíveis sobre temas e formatos, aguardo ansiosa as notícias do meu editor, por quem me sinto honrada em poder trabalhar junto.

Daí que se um formato possível fosse uma seleção de textos relacionados aos orixás, eu precisaria me preparar para seguir em frente, pois aprendi no terreiro que todas as yabás, orixás femininas, e todos os obóros, orixás masculinos, devem ser reverenciados.

Acho curioso pensar com antecedência numa mera hipótese, mas percebo que foi um alinhamento possível entre manter uma coluna semanal, entregar livro, preparar aula, viajar, autografar livro, ser mãe. Minhas deusas sabem que eu preciso agir equilibrando trabalhos e oportunidades. Inclusive, quero agradecer ao jornal por essa troca que possibilitou isso. Se não tivesse a disciplina da coluna semanal, provavelmente teria escrito muito menos.

Coluna semanal é como a Lua: às vezes, você está cheia de ideias; outras, introspectiva, minguando sentimentos. Tem dias em que escrever é uma delícia, mas, em outros, essa provocação constante de transformar pensamentos em palavras publicadas parece um trabalho de faculdade sobre um tema que você detesta, que é irritante, mas necessário. Sou grata a meu pai Ogum pela força nessa maratona.

Depois do quarto e quinto texto, esta série se tornou curiosa. Comecei a pensar como seria uma exposição com ilustrações dos orixás feitas pela ilustradora deste espaço, Aline Bispo. Era um desenho mais lindo que o outro que vinha sendo publicado e isso me levou a pensar.

Neste caso, como autora, eu deixaria sua criatividade limitada se não trouxesse a caça. Afinal, como eu veria um quadro sobre Ossaim, orixá de cabeça de Aline, se ainda não havia escrito sobre ele? A certeza de que o resultado das ilustrações seria presente para toda a comunidade, precisei me conectar mentalmente com essa brilhante artista brasileira.

Daí também que essa série se mostrou uma lição sábia para mim, pois precisei sair da zona do conforto e relacioná-las a uma pauta da semana. Esse exercício inevitável me ajudou muito nas aulas na Universidade de Nova York, expandindo uma forma de refletir sobre um assunto. Aprendi muito e conheci bibliografias novas.

A vasta produção intelectual que o Brasil tem sobre os orixás e as religiões de matriz africana, desde as mães e pais de santo, até pesquisadores, romancistas (ou pessoas que são tudo isso ao mesmo tempo), posiciona a pesquisa brasileira em um compasso de análise completamente inovador quando debatemos raça, gênero, classe, colonialismo, imperialismo, entre inúmeros outros temas, na companhia de colegas do norte global. Pois não só o Brasil produz, como essa produção é articulada pelo pensamento feminista negro há décadas.

Sendo filha de Oxóssi e percebendo a caça, precisei estudar e me preparar a ela. Mas, realmente, até a programação tem limite, então me permiti me rebelar à ordem de reflexão conforme a ordem dos e das orixás no xirê. Como Exu é o desorganizador da ordem e organizador da desordem, saio dessa experiência satisfeita.

Pelas minhas contas, faltam Nanã, Ayrá e Oxalá. Aí uma nova dança vai se iniciar neste espaço.

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