Opinião - Djamila Ribeiro: Revolução silenciosa das bibliotecas comunitárias vê a literatura como direito

há 2 dias 1

Com o início do ano, prefeituras empossam mandatos para os próximos quatro anos, enquanto vereadores e vereadoras assumem seus mandatos, prometendo trabalhar por cidades melhores. Em um país com mais de 5.000 municípios, as realidades das cidades são as mais diversas, mas há um eixo comum que pode beneficiar todas: iniciativas que promovam o acesso à educação, à cultura e ao conhecimento, elementos fundamentais para o desenvolvimento coletivo do país.

Nesse cenário, as bibliotecas comunitárias despontam como espaços transformadores. Elas, junto a clubes de leitura, têm reinventado silenciosamente o hábito de ler, resistindo ao impacto de uma sociedade cada vez mais absorvida pelas telas dos celulares. Esse contexto não apenas dificulta a alfabetização, mas também reduz o estímulo à leitura crítica e ao engajamento intelectual.

Criadas e mantidas em comunidades periféricas e rurais, muitas vezes sem qualquer apoio do poder público municipal, essas bibliotecas são muito mais do que simples repositórios de livros. São territórios de afeto, acolhimento e aprendizado.

Ali, crianças têm o primeiro contato com as letras, jovens vislumbram futuros possíveis, e adultos redescobrem o prazer da leitura. Além disso, são espaços de luta política: contestam um sistema historicamente excludente, que nega às populações mais vulneráveis o direito de acessar o conhecimento.

Com milhões de pessoas vivendo na linha da pobreza no Brasil, muitas delas sem infraestrutura básica para estudar, as bibliotecas comunitárias representam uma possibilidade de superação das barreiras materiais e simbólicas.

Assim sendo, políticas de promoção de espaços de leitura, estudo e aprendizado são políticas que impactam todas as áreas do país, por serem políticas de incentivo à ciência, pesquisa e tecnologia em lugares onde o Estado é ausente. Podem ser também lugares para onde crianças podem ir durante o contraturno escolar, impactando o bem-estar de toda a comunidade.

Diante de tantos benefícios, é impossível ignorar os efeitos negativos do abandono por parte do Estado. Muitas bibliotecas comunitárias sobrevivem precariamente, graças ao trabalho voluntário e à solidariedade de quem reconhece seu valor.

Falta pintura nas paredes, as estantes de livros ameaçam desmontar. Faltam lápis, canetas e outros materiais básicos. São espaços feitos com amor, mas que poderiam ser muito mais, houvesse maior incentivo do poder público, algo que poderia gerar, inclusive, empregos na área da biblioteca, educação, entre outros setores.

Como política cultural, vale dizer, iniciativas como essas não apenas aproximam as pessoas do universo literário, mas também criam pontes para o mercado editorial brasileiro, que enfrenta crises sucessivas devido à falta de leitores.

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Esse cenário afeta especialmente as editoras independentes, o que deveria acender um alerta para nós, brasileiros e brasileiras. Conforme divulgado nesta Folha recentemente, o Brasil perdeu quase 7 milhões de leitores nos últimos cinco anos e o faturamento das editoras teve uma queda real de 43%
desde 2006.

Daí, também, a importância de os municípios participarem desse esforço coletivo em fortalecer o setor, pois os acervos dessas bibliotecas não surgem por acaso.

Em muitas delas, os livros são fruto de doações e curadorias cuidadosas, pensadas para refletirem as realidades e histórias das próprias comunidades. Com o apoio do município, muito mais pode ser feito.
Um exemplo inspirador é o trabalho de Bel Santos Mayer à frente do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário, o Ibeac, que recebeu o prêmio Jabuti pelo impacto das bibliotecas comunitárias em Parelheiros, na zona sul de São Paulo.

Foi a coroação de anos de trabalho junto a comunidade, com a construção criativa de bibliotecas em unidades básicas de saúde, em um cemitério local e em outros lugares que são um tremendo êxito. Como Mayer afirmou em entrevista à revista Veja, "desde 2015, o Brasil fechou 1.500 bibliotecas, enquanto lá, nós abrimos quatro. O país fecha a biblioteca, a gente abre; o país perde leitor, a gente aumenta".

Apesar das dificuldades, as bibliotecas comunitárias resistem. E, ao resistirem, nos ensinam uma lição poderosa: o acesso à literatura não é um luxo, mas um direito. Um livro, em mãos certas, pode abrir mundos, transformar trajetórias e mudar destinos.

Fica a sugestão de política pública para todos os mandatos que estão assumindo suas cadeiras nesse início de ano.

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