Nesta semana, a influenciadora Jordana Vucetic foi alvo de ataques públicos nas redes sociais por parte de um grupo de homens que se dizem cristãos. O motivo? Seu passado sexual —que, segundo eles, a desqualificaria para hoje defender a castidade. O episódio, ironicamente, ocorreu durante a Semana Santa, feriado que simboliza o perdão e a reconciliação. A cena escancara uma regra: o duplo padrão sexual segue firme.
Se nem uma mulher que hoje milita pela pureza e pela castidade está imune à vigilância moral, o problema claramente não é o comportamento. É o gênero. E essa seletividade está longe de ser novidade. Uma meta-análise com mais de 120 mil participantes mostrou que, embora muita gente diga tratar comportamentos sexuais da mesma forma em homens e mulheres, os julgamentos implícitos continuam favorecendo eles. Atitudes masculinas são percebidas como normais ou até desejáveis; as femininas, como desvio. O efeito não é dramático, mas é persistente —e mais forte em contextos com menor igualdade de gênero. Em suma: a igualdade no discurso ainda convive com códigos morais subterrâneos.
Um estudo experimental encontrou um padrão ainda mais revelador: quem mais endossa o duplo padrão são homens com atitudes sexistas —especialmente os que pontuam alto em sexismo hostil. São os primeiros a policiar a sexualidade alheia, enquanto celebram a própria. Já as mulheres, quando desencorajam o sexo casual entre pares, tendem a fazê-lo como forma de proteção, uma tentativa de reduzir o dano social. Não é moralismo. É sobrevivência.
A situação de Jordana também escancara a hipocrisia envolvida. A indignação não nasce de um compromisso com valores, mas de uma necessidade pública de reafirmar status e autoridade. O objetivo não é corrigir ou orientar, é, acima de tudo, enquadrar. A pureza que se exige não tem nada de espiritual, é um símbolo social usado para regular o corpo e as vontades das mulheres.
Folha Mercado
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É ainda mais paradoxal quando se considera o padrão ético que esses ambientes dizem sustentar. O meio cristão, ao propor ideais elevados de pureza, também deveria ser o primeiro a praticar perdão e acolhimento. Mas o que se vê é o oposto: uma moral que pune seletivamente e ignora os próprios fundamentos. O erro, para alguns, nunca é passível de reconciliação —ao menos quando cometido por mulheres.
E essa lógica não se limita ao campo religioso. O duplo padrão sexual é um ponto de encontro entre grupos bem diferentes —dos que falam em castidade aos que celebram a libertinagem (masculina). Divergem na retórica, mas compartilham a mesma hierarquia. A régua muda. O desequilíbrio, não.
É verdade que houve avanços legais e institucionais nos direitos das mulheres. Mas a distância entre essas conquistas e a cultura cotidiana continua grande. A reputação feminina ainda é tratada como patrimônio público —vigiada, medida, avaliada— enquanto muitos homens seguem com liberdade irrestrita e quase nenhum custo simbólico.
Claro que podem existir visões distintas sobre ética sexual. O ponto aqui não é o que cada um defende, mas como escolhe tratar o outro. Dignidade não pode ser condicional. Nem privilégio de quem nunca errou —até porque, neste tribunal digital, a régua moral costuma mudar conforme o réu. O que as evidências mostram é que o problema nunca foi o sexo. Foi e ainda é quem pode escolher livremente ou errar, recomeçar e ser tratado como gente depois disso.