O governo Lula editou um decreto para regular o uso da força por policiais de todo o país. Algumas determinações são tão triviais que fica difícil acreditar na necessidade de colocá-las no papel. Um passeio pelo noticiário e por gabinetes políticos pode ser suficiente para convencer qualquer um do contrário.
O decreto publicado na segunda (23) afirma que operações precisam ser planejadas para minimizar o uso da força e evitar danos. A atuação deve ser "compatível com a gravidade da ameaça" enfrentada pelos agentes, estar dentro da lei e ser pautada por "bom senso, prudência e equilíbrio". Se um policial não consegue seguir a lei ou o bom senso, talvez não devesse andar armado.
O artigo seguinte restringe o uso de armas de fogo contra fugitivos desarmados ou que não representem risco imediato. O mesmo vale para veículos que desrespeitarem bloqueios policiais sem oferecer riscos. A regra não existiria se algumas polícias não atirassem a esmo ou decidissem aceitar a morte de inocentes como efeitos colaterais de sua atuação.
Mesmo que só estabeleça o que deveria ser óbvio, o decreto tem seus problemas. Ele deixa, por exemplo, de tratar de situações em que agentes poderiam atirar para imobilizar um suspeito. Além disso, repete regras que já existem ou fazem parte do protocolo das polícias. A novidade é condicionar o repasse de verba federal ao cumprimento das medidas, mas não há definição clara de critérios para essa avaliação.
Em vez de criticar os defeitos do texto, alguns governadores aproveitaram o episódio para renovar a carta branca para a brutalidade policial. Do Rio, Cláudio Castro recorreu a uma especialidade e tentou usar o decreto como mais uma desculpa para sua gestão incompetente na segurança pública. Ronaldo Caiado, de Goiás, afirmou que o texto "acaba favorecendo a criminalidade".
Caiado disse ainda que o decreto foi um "presente de Natal" para o crime organizado. Bobagem. Na prática, quase nada deve mudar na atuação das polícias. Mal embrulhado como foi, na verdade, o texto serve mais como um presente para políticos que usam o marketing do pânico para mascarar seu desapreço por padrões civilizatórios mínimos.