Se não tem bancada de estúdio, serve balcão de farmácia. Falta poltrona bonita, bora em pé mesmo, na fila da padaria. Uma caneca: tem como? Não, só copinho de plástico mesmo, no cantinho do café? Tá bem, vamos nessa.
"Senhoras e senhores, obrigada pela presença. Está começando mais um...". Peraí, esse programa não tem nome. Nem horário fixo, pois costuma acontecer a qualquer momento do meu dia. Basta que eu esteja por aí, solta na vida, e que alguém tenha algo interessante a contar. Aliás, já ia me esquecendo desse pequeno detalhe: eu acho tudo, de todo mundo, muito interessante.
"Deixa eu ver se entendi, Dona Neuza: a filha da sua vizinha, então, não está grávida do marido, mas do porteiro do prédio. O tal que faz cover do Wesley Safadão...". "Chá de pata-de-vaca é bom pra diabetes, tá. Mas é inhame que afina o sangue? Sim, tô anotando". "Claro que acredito, Seu Jorge. Alienígenas que vêm de dentro da Terra, não do espaço. E o senhor viu um deles, quando era menino, numa festa junina em Cambuquira. Era verde?"
Se meu talk-show falasse —e existisse—, certamente seria assim. Estrelado por completos desconhecidos que, sabe-se lá por quê, escolhem esse meu tipo de ouvido absoluto para despejar suas histórias. Afinal, não é que minha escuta lúdica seja particularmente ativa —as pessoas, em geral, é que estão precisando muito falar, falar, falar.
E cadê que eu reclamo? É a oportunidade perfeita para catalogar os tipos mais fascinantes dessa comédia humana informal, feito a balzaquiana conversadeira que sempre fui.
Tem a taxista que não produz mais saliva ou lágrima desde que capotou num rio poluído, mas ama sofrência no rádio; o compositor do jingle que faz qualquer cinquentão chorar por um refrigerante que não existe mais; o segurança de balada que tem porte de armas e um pavão como pet na casa da mãe; o médico e o arquiteto que se fingiram de casal gay para visitar um apartamento que foi do Niemeyer; a mulher cuja voz "gritando calma" toca automaticamente nos alto-falantes do avião quando cai... Dentre outras pepitas de ouro em forma de gente, garimpadas enquanto balanço a cabeça e pergunto "é mesmo?"
Sendo a anfitriã inédita desse programa que só acontece nos bastidores da minha cabeça, sei que bons ouvintes não costumam ter com quem partilhar seu próprio conteúdo. Por sorte, faço parte de uma rede de escutadores mútuos, que pratica o quiquiqui democrático e o vai e vem aconchegado de informações, mas sobretudo de: "e o SEU dia, como foi? VOCÊ tá bem?". Com direito a tim-tim de canequinhas e tudo.
"É mesmo?"