Opinião - Bia Braune: O tacacá de Cousteau

há 8 horas 2

O assunto de hoje vem das regiões abissais do meu cérebro, que —ao contrário das fossas do Pacífico Ocidental— é raso feito um brejo de referências de outrora. E por "outrora" refiro-me a uma época que parece anterior ao neolítico. Quando já haviam descoberto o fogo, mas não as trends da internet. A década de 1980.

Na condição de xóvem neoaustralopiteca, considero-me razoavelmente situada no feed do século 21. O problema foi ter colocado uma criança de 10 anos para assistir a algo que nossos antepassados chamavam de "documentário".

"Tornando-se Cousteau" (2021) já estava na mira do streaming familiar, posto que o pirralho-cobaia de tal experimento sonha ser biólogo marinho. Ou seja: enquanto mãe de um ávido consumidor de focas fazendo gracinhas de TikTok e lontras tão inteligentes que já postam selfies no Instagram, achei que 90 minutos de audiovisual científico seriam uma ótima ideia.

Dar play foi como embarcar novamente na aventura de um televisor de tubo equipado com bombril na antena. A sensação de acompanhar antigas expedições do explorador francês com o mesmo entusiasmo de quem maratonava "A Amazônia de Jacques Cousteau" em desbotados episódios do Globo Repórter.

"Filho, olha que máximo! Quando eu tinha a sua idade, não havia essas coisas no YouTube... Nem YouTube", contextualizei. Embevecida ao rever Monsieur Cousteau inventando o aqualung, lotando auditórios, distribuindo autógrafos e sendo ovacionado na Rio-92. Tal como um ídolo, um ícone pop, um... influencer?

Como explicar que, antes das celebridades que exibem jatinhos e unboxings, havia uma parte do planeta interessada na vida dos botos-cor-de-rosa? Que Calypso era um barco de pesquisa e não uma boate frequentada pelo Neymar em Barcelona, quiçá um meme ou tacacá da fase solo da Joelma? Não havia ainda hashtag de "arrume-se comigo": a gente só queria usar uma boininha vermelha igual à daquela tripulação.

De lá para cá, vivemos essa espécie de variação dos "amores líquidos". Não à toa Wes Anderson, também fã desse legítimo "homem do fundo do mar", escreveu e dirigiu "A Vida Aquática com Steve Zissou". Eu mesma, quando tive a chance de andar num carro-anfíbio, me senti a mais feliz e fajuta integrante da Equipe Cousteau.

Só sei que, faltando 15 minutos para o filme acabar, apesar de interessado, meu filho já balançava o pezinho no ritmo da impaciência digital. A menina que fui lastima o abismo entre gerações, mas vê vantagem: hoje temos Tamara Klink à vista.

Colunas e Blogs

Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Leia o artigo completo