Opinião - Bia Braune: Incenso, mirra e frisbee

há 4 dias 2

A esta altura das festas de fim de ano, talvez seja descaramento meu narrar uma parábola natalina sobre outra família em fuga que não a de Jesus. No entanto, cada um sabe dos próprios "rôu-rôurôus". E no que diz respeito a ceias regadas a climão, amigos-da-onça secretos e parentes nos quais apenas esbarramos anualmente, sagrada será sempre a família que você tiver à mão, em caso de perrengue.

Transportemo-nos, portanto, a uma era pré-"Então É Natal". Suficientemente depois do nascimento de Cristo, mas bem antes do meu —a ponto de a história ter chegado a mim já como fábula moral, por fofocas apócrifas. De quando meus pais e meu irmão decidiram seguir não a estrela de Belém, mas a rosa-dos-ventos de um avião da Varig rumo aos Estados Unidos.

Eram tempos de ditadura e dureza, com suados cruzeiros salvaguardados da inflação em cadernetas de poupança (meus pais) e cofres de porquinho (meu irmão). O sonho de conhecer a América dos filmes, das séries e dos lençóis de nylon que não amassavam enfim acessível, graças a cheques pré-datados e à insistência de Laci, uma parenta que pendia de um galho supostamente confiável da nossa árvore genealógica.

Casada com Ralph, americano legítimo e de pescoço rosado, Laci prometia acolhimento carinhoso em Miami. O que ninguém esperava —e essa parte meu pai recontava sempre com voz embargada e olhos esbugalhados— era um "Unmerry Christmas" em prisão domiciliar. Sem direito a serrote malocado no panetone.

Mantidos no porão da casa, sem acesso a telefone e tendo as economias extorquidas, os três só conseguiram escapar pela cerquinha branca daquela insuspeita Alcatraz na noite de 24 de dezembro. Por entre lágrimas e migalhas de rabanada, cearam no chão do aeroporto até que uma anunciação diferente se deu pelo alto-falante da companhia aérea. Sim, um funcionário havia se compadecido. Se meus pais e meu irmão não tinham com quem passar o Natal, que ficassem então com a família dele em Boston. Ele fazia questão. O nome desse anjo? José Maria.

Resgatados por completos estranhos, eles fizeram desses estranhos uma família estendida. Tanto que, na mala da volta, junto com novas memórias felizes e pelo menos dois jogos de lençol, veio até um frisbee presenteado por José Maria e os seus. E que meu pai, a partir daquele Natal, passou a usar no presépio como manjedoura do Menino Jesus.

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