Opinião - Ana Paula Vescovi: Para onde vai a regulação dos bancos?

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O setor financeiro vem sofrendo transformações rápidas e profundas. O avanço de tecnologias aplicadas aos serviços bancários, mudanças de preferências dos usuários e a desintermediação financeira pelo mercado de capitais podem exigir uma reconfiguração na regulação global.

Não se trata de exigir mais de quem pode mais. Trata-se de estender a abrangência da supervisão, prevenir arbitragens e desvios de recursos dos investidores e assegurar atuação consistente dos bancos, cooperativas de crédito, instituições de pagamento, fundos de pensão e seguradoras —e de todos os agentes que atuam nesse mercado.

É recente o surgimento das criptomoedas, dos sistemas de blockchain e das finanças descentralizadas, além das plataformas de crédito, das carteiras digitais e dos sistemas de pagamento instantâneo, como o Pix.

Ademais, nos últimos anos, inclusive no Brasil, houve rápido avanço do mercado de capitais, atraindo recursos privados para diferentes combinações de produtos financeiros, com plataformas mais abertas e com ofertas e precificação mais diversificadas e sofisticadas.

O desafio é encontrar um equilíbrio para a regulação e para o modelo de supervisão, que assegure, de um lado, a estabilidade financeira, e, do outro, a adoção de inovações tecnológicas num mercado mais aberto, globalizado, diversificado e competitivo.

Globalmente, reguladores têm demonstrado preocupação crescente com o impacto das big techs, das fintechs e das plataformas de comércio digital que têm atuado como intermediários financeiros ao oferecer meios de pagamentos e crédito, mas sem os mesmos compromissos prudenciais dos incumbentes.

Diante dos novos dilemas, é sempre importante lembrar que a crise financeira global de 2008 evidenciou a necessidade de uma regulação mais robusta, consolidada no acordo de Basileia 3 —por meio do aumento da exigência de capital e da liquidez dos bancos, especialmente os maiores. Isso tem suscitado pesquisas sobre o aumento do custo de crédito e a redução do crescimento potencial nas economias avançadas, além da ocorrência de arbitragens regulatórias (uso indevido), mediante as assimetrias cada vez maiores com instituições alternativas.

Também houve mudanças na supervisão, para alinhar incentivos entre a concessão de crédito responsável e a cessão de riscos da carteira de crédito para terceiros. Algo que poderia ter evitado a crise dos créditos subprime, perdas trilionárias e o colapso de grandes instituições.

Contudo, a regulação será desafiada à medida que novos riscos emergem, como ataques cibernéticos, vazamento de dados, eventos climáticos, crises geopolíticas e volatilidade nos mercados globais. A saída mais fácil, com requerimento ainda maior de capital para poucos, pode piorar os efeitos colaterais, ao promover mais escapes e aumentar o risco de crises sistêmicas.

No Brasil, as regras de Basileia 3 vêm sendo implementadas desde 2013, o que ajudou o país a enfrentar momentos de crise, como a pandemia de Covid-19.

A curto prazo, há novas medidas entrando em vigor. São exigências para provisões de risco operacional dos bancos; adoção de regras contábeis internacionais (IRFS 9) sobre a classificação de risco e a provisão de perdas, iniciando no ato de concessão dos empréstimos, entre outros ativos; e uma nova medida provisória editada para garantir a gradual compensação de créditos tributários diferidos. Mesmo com vigência faseada, os efeitos agregados e combinados dessas medidas sobre o crédito e sobre a economia ainda são incertos.

Também aqui, a regulação das instituições financeiras está longe de ser homogênea. Instituições menores estão sujeitas a menos exigências, mesmo com acesso aos mesmos mecanismos de proteção. O FGC (Fundo Garantidor de Créditos) já cobre cerca de 99% dos depósitos existentes no sistema bancário, até a cifra de R$ 250 mil. Contudo, novas instituições, menores, que possuem menos incentivos para a disciplina de uso do capital, exercem pressão crescente para o aumento dos valores garantidos. Isso facilitaria o financiamento dos seus modelos de negócios, geralmente mais arriscados e, portanto, não compatíveis com o perfil dos investimentos da grande maioria dos depositantes, protegidos pelo seguro de depósitos do FGC.

Não bastassem as assimetrias regulatórias e as arbitragens dentro do sistema, há também assimetrias tributárias presentes, por exemplo, nas cooperativas de crédito e em fundos de direitos creditórios, alguns detidos por pessoas físicas. São bastante incertos os efeitos de contágio mediante algum evento de quebra ou recuperação judicial nos mercados de capitais. Eventos recentes ocorreram em 2023, e seus impactos ainda merecem ser estudados.

O Brasil precisa avançar nessa discussão, bastante presente no espectro das economias avançadas, sobre como calibrar os incentivos à inovação e à competição com requisitos que permitam proteger a estabilidade financeira de riscos não observáveis. É preciso ampliar os estudos acadêmicos, os testes sobre o impacto de medidas já adotadas e estender os exercícios regulatórios para um número maior de instituições.

Os ciclos de política monetária, divergentes entre as principais economias, podem gerar volatilidade nos fluxos de capitais e criar tensões financeiras em países emergentes, tais como o Brasil.

Uma questão crítica é preparar uma regulação cada vez mais robusta, capaz de dar suporte à suavização dos ciclos econômicos por meio de garantia da estabilidade financeira.

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