Se não houver nenhuma surpresa no meio do caminho, a provável indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central retira, ao menos parcialmente, um dos bodes na sala da política de juros no Brasil.
O bode do risco da transição de comando no BC com o temor de que o presidente Lula irá interferir, por baixo dos panos, nas decisões de juros só deixará de existir completamente com o tempo.
É um processo, porque a desconfiança às vezes demora para retomar a credibilidade. A lua de mel após o casamento pode durar pouco.
Mas esse bode emagreceu nas últimas semanas. A construção de uma unanimidade no Copom sobre não tergiversar em aumentar os juros caso necessário ajudou.
A unanimidade está clara dentro BC e foi mais bem percebida pelos agentes do mercado nos últimos dias com as inúmeras falas do presidente do BC, Roberto Campos Neto, Galípolo e demais integrantes do Copom.
O BC não quis se comprometer com uma orientação para próxima reunião do Copom sobre juros. Isso ficou claro com a declaração de Campos Neto nesta semana de que a diretoria não está dando nenhum "guidance" —ou seja, uma indicação sobre como o colegiado deve votar.
Mas os diretores falaram que a alta de juros está na mesa, principalmente Galípolo. Aliás, fala que esta Folha manchetou no jornal impresso da terça-feira (13).
Pode ser que o aumento da Selic aconteça, o que, infelizmente, será uma notícia ruim para a economia. Se tiver que ocorrer, há muita convicção no BC de que a decisão será unânime.
Se virar presidente, Galípolo começa com esse posicionamento forte de busca da credibilidade para comandar o BC brasileiro, após o estrago da divisão do Copom entre indicados por Lula e Bolsonaro na reunião de maio.
Com interlocução direta junto ao presidente da República, é difícil, no entanto, imaginar que não tenham conversado sobre isso e também sobre o segundo bode a rondar a política monetária. É o risco de sempre, o de descontrole das contas públicas.
Não é arriscado dizer que Lula e Galípolo tenham combinado o jogo. Se Lula fala de queda de juros, como fez nesta sexta-feira (16), Galípolo fala de alta de juros, mostrando independência.
Ao contrário do primeiro, o segundo bode engordou, em parte porque o Congresso anda sequestrando a prerrogativa do governo na área fiscal (vide o impasse das emendas).
O bode gordo aparece no fenômeno de antecipação do risco fiscal, problema que foi relatado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) na mais recente reunião ministerial do presidente Lula.
O pessoal faz a conta do fiscal e chega à conclusão de que estruturalmente o arcabouço fiscal não fecha. O governo pode até botar band-aid, mas está quebrado.
Lula vai entregar a meta fiscal de 2024, se for aprovado o projeto da desoneração da folha com as medidas de compensação para facilitar o resgate de depósitos judiciais.
Mas a próxima pergunta do mercado será: e 2025? E assim por diante, considerando a inconsistência intertemporal da regra fiscal —já que existem despesas crescendo em velocidade maior do que o arcabouço.
É como se o governo estivesse sempre correndo atrás, não importando o quanto tenham apresentado resultados melhores.
O presidente Lula foi alertado do problema. Não poderá dizer depois que foi surpreendido com um bode ainda mais gordo.
Está todo o mundo esperando o que Haddad vai apresentar depois das eleições para deixar de ficar atrás nessa corrida. Na segunda (12), durante evento da Warren Rena, ele disse que está em negociação com o Congresso para rever a rigidez orçamentária.
O detalhe da fala do ministro não passou despercebido para quem espera uma resposta do governo ainda neste ano.
O sinal dado por Haddad foi que ele já está tendo conversas em torno de propostas concretas para identificar o que politicamente é viável passar.
Enquanto isso não acontece, os números bons da economia seguirão em segundo plano.