A pedagoga Natasha Caramaschi del Gallo descobriu no último dia 8, por um e-mail na caixa de spam, que o plano de saúde de seu filho havia sido cancelado unilateralmente enquanto ele ainda estava na UTI.
Portador de paralisia cerebral e epilepsia descompensada, Bernardo Caramaschi tem 9 anos e está internado desde maio, inicialmente para tratar um quadro de dengue. Mas depois foi descoberto que o problema era mais grave: o menino estava com uma infecção do vírus da tuberculose por causa de um procedimento feito no último ano para tratar escoliose.
Natasha diz que o filho já passou por, pelo menos, 15 outras internações ao longo da vida. Isso fez com que a família priorizasse o plano de saúde do menino, que custa, em média, R$ 2.400 por mês.
Em 9 de outubro, o Hospital Infantil Sabará, onde o menino está internado, o liberou para a desospitalização para continuar o tratamento em casa, por home care —modelo ao qual tinha acesso desde 2016. Por causa do cancelamento, porém, a opção foi negada por prestadoras do serviço.
"Sinto que meu filho virou um prisioneiro, porque, mesmo com o aval, não posso tirá-lo do hospital. É claro que o local vai oferecer o tratamento necessário, mas isso tá gerando um ônus para mim", afirma Natasha.
O plano de saúde de Bernardo é da SulAmérica e é administrado pela Qualicorp. Foi adquirido em 2013. Desde então, o plano, que era coletivo por adesão, sofreu aumentos, segundo a mãe, o que fez com que optassem por pedir a individualização do plano no último ano.
De acordo com ela, a operadora tem desobedecido ordens judiciais, tanto em relação ao home care como quanto à manutenção do plano. "Ele tem uma condição de saúde muito grave, então quando apresentamos o caso ao juiz pela primeira vez ele entendeu que o Bernando não poderia ficar sem plano e permitiu que eu saísse para ele continuar."
Na última segunda-feira (11), Natasha foi informada pelo hospital em que Bernardo está internado de que assim que houvesse uma negativa do plano, o valor em aberto migraria imediatamente para a conta particular do paciente. Ao entrar em contato com o convênio entendeu que o menino estava sem a cobertura dos serviços de saúde desde 1º de novembro.
Natasha então compartilhou o caso do filho nas redes sociais, gerando grande comoção. Na terça-feira (12) de manhã o plano foi reativado.
Arícia Freitas e a filha Maitê Cardoso, de 7 anos, enfrentavam em Joinville (SC) o mesmo problema que Natasha e Bernardo. Portadora da síndrome de West e encefalopatia epiléptica, a menina também teve seu plano da SulAmérica operado pela Qualicorp cancelado em 1º de novembro.
Arícia conta que tentou marcar uma consulta de fisioterapia da filha, mas não conseguiu. "Cheguei a achar que fosse alguma falha do aplicativo", diz. Na última terça, ela recebeu um comunicado da clínica onde a filha faz tratamento dizendo que o plano não estava sendo aceito.
Desesperada, procurou emails da SulAmérica e da Qualicorp em sua caixa de spam e encontrou uma mensagem em que eram solicitados documentos para que o cancelamento não fosse realizado. O plano foi feito em 2017, com um corretor.
Arícia diz que então acionou a advogada da família, apesar dos gastos que isso implica. "Vivemos de ajuda até para pagar o plano da Maitê. Nos enterramos em dívidas para manter a nossa filha bem."
O home care também é fundamental para a sobrevivência de Maitê, afirma a mãe. Em casa, ela recebe mensalmente um kit com frascos, bombas de oxigênio e a dieta enteral —a criança se alimenta por sonda. "E tudo isso consegui via liminar", diz.
O caso de Maitê também foi compartilhado nas redes sociais e chegou até Natasha, que republicou os conteúdos postados por Arícia pedindo ajuda para a criança, ainda na terça. No fim do dia o plano da menina também foi reativado.
Em nota, a SulAmérica afirma ter reativado os planos de saúde para que os beneficiários possam dar continuidade aos tratamentos. A operadora diz lamentar profundamente o ocorrido e afirma não realizar cancelamentos de forma massiva ou unilateral.
A Qualicorp também afirma lamentar o ocorrido e diz que fará o reembolso dos períodos sem cobertura.
Sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, especializado em direito da saúde, o advogado Rafael Robba diz que a legislação é omissa e acaba dando margem para as operadoras praticarem esse tipo de rescisão. Os planos coletivos, contratados por empresas ou associações, são diferentes dos individuais e familiares, de acordo com ele, e a legislação só proíbe a rescisão de individuais e familiares, que podem ser cancelados apenas por inadimplência ou fraude.
No entanto, para cancelar o plano, a operadora deve avisar o cliente com pelo menos 60 dias de antecedência. "Coloca o consumidor numa situação de extrema vulnerabilidade. Então essas situações acabam indo parar na Justiça", diz Robba.
A prática de cancelamento imotivado, segundo ele, costuma ocorrer em contratos que geram altos custos para as operadoras, como de pessoas mais velhas e pacientes em tratamento ou que possuem doenças crônicas.
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), contudo, proíbe a prática de seleção de riscos em qualquer tipo de plano e estabelece que as regras para a rescisão de planos de saúde devem estar previstas no contrato assinado com a operadora. A agência foi procurada pela reportagem para comentar os dois casos da SulAmérica e Qualicorp, mas não respondeu até a publicação deste texto.