OpenAI quer ser parceira de governos que consideram novos modos de regular IA, diz Anna Makanju

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Enquanto a OpenAI perdia a diretora de tecnologia Mira Murati, até então uma de suas figuras mais importantes, em outra ponta da companhia, Anna Makanju, 47, ganhava proeminência dentro e fora de uma das startups mais valiosas do Vale do Silício.

Russa e graduada em direito, Makanju trabalhou nove anos no governo Obama, onde atuou como conselheira sênior de políticas públicas do então vice-presidente Joe Biden. Na OpenAI desde 2021, ocupava a vice-presidência de Assuntos Globais até virar vice-presidente de Impacto Global há cerca de um mês. Lançar projetos voltados a comunidades locais e gerenciar parcerias neste sentido estão entre suas atribuições.

Até aqui, porém, a atuação da ex-funcionária do Facebbok e da Space-X foi além. Sua equipe articulou estratégias para ajudar a influenciar a regulamentação de inteligência artificial no mundo, sobretudo em países que já discutem modelos de legislação. O Brasil, por exemplo, foi escolhido como base para o único funcionário da empresa na América Latina, Nicolas Robinson Andrade.

Na companhia dele, em agosto, ela passou um dia em Heliópolis, em São Paulo, para inaugurar o FavelaGPT, projeto de inclusão digital em parceria com a Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis). Lá, moradores passaram a usar o GPT-4o sem custo, a exemplo do que já ocorria no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

À Folha Makanju conta que a viagem lhe proporcionou a felicidade de usar novamente português –um dos sete idiomas que fala–, de comer pão de queijo e de se impressionar com as discussões que teve com "brasileiros que estão pensando de forma criativa como garantir que os benefícios da IA alcancem todo o país".

A salvaguarda sobre os possíveis benefícios da inteligência artificial é um mantra em suas conversas. Ao passo que investimentos bilionários e a criação do posto inédito de economista-chefe são anunciados, Makanju reforça o status de startup da companhia.

Quais mudanças o novo cargo de VP de Impacto Global traz para o seu trabalho atual e quais são suas expectativas? Que tipo de parcerias vai gerenciar?
Durante minha viagem ao Brasil e ao Chile, lançamos projetos que beneficiarão comunidades locais e destacamos trabalhos incríveis que já estavam sendo feitos com nossas ferramentas. Este é o tipo de engajamento global, com projetos focados em impacto, que originalmente me atraiu para a OpenAI. Nenhuma outra empresa de tecnologia tem um cargo como este, estou genuinamente empolgada.

Você esteve outras vezes no Brasil? O que mais lhe chamou a atenção?
Só estive uma vez, há 20 anos, e desde então queria voltar! Estou muito feliz em usar meu português novamente. Também sou obcecada por pão de queijo.

O que mais me impressiona, porém, são as discussões envolventes que temos com brasileiros que estão pensando criativamente sobre como garantir que os benefícios da IA alcancem todo o país. Meus colegas e eu passamos um dia na favela de Heliópolis, em São Paulo, e foi inspirador ver como a Unas trabalha para expandir a capacidade dos moradores de usar ferramentas.

Um artigo no Washington Post diz que você é a mulher que transformou Sam Altman em um 'avatar da IA', uma espécie de porta-voz diplomático da inteligência artificial no mundo.
A missão da OpenAI é garantir que a IA beneficie toda a humanidade, por isso acreditei que precisávamos de uma abordagem política que refletisse isso. Queremos ser parceiros de pensamento para governos que estão considerando novas maneiras de usar ou regulamentar a tecnologia.

Tenho colegas em países como Brasil, Japão, Singapura e Índia, e meu time trabalha de perto com organizações multinacionais como a UE, G20, APEC e a ONU.

Que exemplos você pode dar?
Nos EUA, Ohio está usando IA para simplificar o código administrativo do estado, encontrando e eliminando milhares de páginas de regulamentos desatualizados e duplicados. Em Minnesota, o governo traduz documentos para outras línguas.

Estudantes em Taiwan estão aprimorando o inglês com um chatbot financiado pelo Ministério da Educação. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal experimenta o o uso de ferramentas de IA para acelerar processos internos, mantendo a independência e o poder de decisão dos juízes.

Por que o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter um funcionário da OpenAI?
Os brasileiros são famosos por sua criatividade quando se trata de usar tecnologia, e estamos impressionados com a forma como abraçaram a IA. Ouvimos muitos casos positivos, como em ONGs como a Serenas, que usa ChatGPT para ajudar a redigir propostas de subsídios em inglês e português, e empresas como JusBrasil, que está ajudando cidadãos e profissionais jurídicos a entender o sistema judicial.

O Brasil é considerado um terreno favorável para a instalação de data centers porque é consumidor de energia renovável. O que incentivaria esse investimento em um país como o Brasil?
Se a IA continuar a crescer da maneira que pensamos, o mundo exigirá mais energia do que usa agora, e muitas vezes falamos com governos para incentivá-los a pensar à frente no planejamento dessas necessidades energéticas. Achamos importante que essa energia adicional venha o máximo possível de fontes renováveis, mas a situação de cada país levará a uma combinação de energia que funcionará para eles.

É verdade que o Brasil tem uma quantidade proporcionalmente grande de eletricidade renovável em relação a outros países, e entendo que o Plano Nacional de IA do Brasil prevê infraestrutura. No entanto, também incentivamos um pensamento multissetorial que leve em conta todos os outros recursos importantes para aproveitar ao máximo a IA, incluindo talento humano, e vá além da instalação de data centers.

Alguns especialistas apontam que a IA generativa amplifica a desigualdade social, especialmente porque os países do sul global não têm investimento público e não estão entre as prioridades das grandes empresas de tecnologia. Como combater o problema?
Vemos a IA como uma ferramenta que pode democratizar o acesso a oportunidades e conhecimento de uma maneira que poucas tecnologias fizeram. Por isso que construímos ferramentas que podem ser usadas por todos, incluindo aqueles com baixa visão ou habilidades limitadas de alfabetização digital.

Também fornecemos nosso modelo mais avançado (ChatGPT-4o) gratuitamente, sem anúncios, e temos parcerias para expandir o acesso à nossa tecnologia.

Em reportagem, a Folha pediu que o ChatGPT gerasse imagens de mulheres brasileiras, e os resultados trouxeram figuras estereotipadas. Como resolver a falta de diversidade desses dados?
É uma questão que me importa muito, tanto pessoal quanto profissionalmente. Também é prioridade para a empresa. Continuamos a adicionar diversidade linguística ao modelo para que ele possa treinar em idiomas não ingleses, como iorubá, islandês, hausa e galês. Beneficiar toda a humanidade significa comprometer-se a representar toda a humanidade, independentemente do idioma que falem.

Também temos equipes que estão ajudando a identificar preconceitos e a mitigá-los antes que as ferramentas sejam lançadas publicamente. Um exemplo: se você perguntar ao ChatGPT como é um cientista, ele imediatamente notará que eles vêm de todas as raças e origens, em vez de perpetuar estereótipos sobre serem de comunidades específicas. Dito isso, sabemos que há muito mais trabalho a fazer e que os usuários e jornalistas nos cobrarão, com razão, se não atingirmos as expectativas.

GALERIA DOS CIENTISTAS CRIADOS PELO CHATgpt: http://helius.corp.folha.com.br/galeria/1814266447428401

Cada vez mais acordos são feitos entre a OpenAI e grandes veículos de comunicação, especialmente de língua inglesa. Este é o único modelo que pretendem seguir para o resto do mundo?
Estamos colaborando com a indústria de notícias e com organizações sem fins lucrativos focadas em jornalismo. Firmamos parcerias com grandes veículos de notícias, incluindo fontes globais como a Associated Press. Um número crescente deles está baseado fora dos EUA e publica em idiomas além do inglês, como Prisa Media, na Espanha; Axel Springer, na Alemanha e Le Monde, na França. Estamos entusiasmados com as parcerias porque elas dão aos usuários acesso a conteúdos de fontes confiáveis e de alta qualidade.

Há uma parceria com a WAN-IFRA (Associação Mundial de Editores de Notícias) para lançar um programa de aceleração, "The Newsroom AI Catalyst", para mais de 120 redações. Não posso entrar em detalhes sobre os termos financeiros dos acordos atuais ou futuros.

Quando o Google anunciou resumos de IA na busca preocupou veículos jornalísticos por causa da queda no tráfego nos sites. Como a OpenAI vê essa condição com o SearchGPT?
O SearchGPT oferece links diretos para notícias, permitindo que os usuários explorem conteúdos mais aprofundados diretamente da fonte. Isso é totalmente diferente dos modelos usados por nossos maiores concorrentes —e é uma das principais razões pelas quais tantas das principais empresas de mídia do mundo assinaram acordos de compartilhamento de conteúdo conosco.

O autor israelense Yuval Harari diz que a IA não é uma ferramenta, é um agente autônomo fazendo coisas que não esperávamos. Na sua visão, qual seria o impacto da AGI na sociedade?
A IA continuará ajudando as pessoas a resolver problemas cada vez mais difíceis. Nosso modelo mais recente é capaz de raciocinar para resolver um problema em vez de prever uma resposta, e isso tem sido relevante para quem trabalha em campos científicos —o que esperamos que leve a mais avanços para saúde, clima e outros desafios críticos. Não sei exatamente qual será o impacto da AGI, mas, se ela criar um valor econômico substancial, como a maioria espera, é crucial que esse valor seja acessado pelo maior número possível de pessoas.

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