O Brasil arde em chamas: só em agosto deste ano, o volume de queimadas foi uma vez e meia maior do que ocorreu no mesmo mês do ano passado. O fogo que atrapalha a vida de pelo menos 10 milhões de brasileiros compromete a biodiversidade.
Há mais de uma década o biólogo Leandro Maracahipes estuda como as árvores no limite entre a Amazônia e Cerrado se comportam diante do fogo e de secas severas. Num Brasil em que a agropecuária avança sobre a floresta, entender mecanismos de vulnerabilidade e recuperação é fundamental.
"A tendência é ter mais, e não menos, fogo e seca extremas, mesmo em áreas florestadas", observa Maracahipes. Ao contrário do Cerrado, a Amazônia não evoluiu na presença do fogo sazonal natural — as árvores do bioma não têm resistência e resiliência contra as queimadas.
As de tronco e casca mais finos, de madeira leve e crescimento rápido, são as mais vulneráveis. As maiores, de tronco e casca mais espessos e de madeira dura, morrem mais devagar. Com eventos repetidos de fogo, elas não conseguem "cicatrizar" as partes queimadas, "sujeitas à invasão de cupins e outros animais que as corroem", diz o biólogo.
Maracahipes viu isso acontecer em um projeto na Estação de Pesquisa Tanguro, localizada em uma fazenda da família Maggi, na zona de transição entre a Amazônia e o Cerrado. Fundado pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o projeto funciona há 20 anos em parceria com a Amaggi e o Centro de Pesquisa Climática Woodwell, dos Estados Unidos.
Liderada por Paulo Brando (Universidade Yale), a equipe do projeto busca entender os efeitos do fogo em árvores da região. Entre 2004 e 2010, foram testadas duas metodologias de queimada em áreas não desmatadas de 50 hectares: anualmente e a cada três anos (em 2004, 2007 e 2010). "O fogo foi mais intenso na queima a cada três anos", conta Maracahipes. Havia muito mais material orgânico —ou combustível— disponível nessas áreas. Períodos de grande seca em 2007 e 2010 em decorrência do El Niño contribuíram para intensificar o fogo e queimar as árvores. De 2010 para cá, a equipe tem estudado como as áreas queimadas se recuperam, e é aí que entra o trabalho de Maracahipes.
A recuperação não tarda depois que cessam os fogos. Em 2018 —passados oito anos da última queimada controlada—, as áreas estudadas já se mostravam parcialmente restauradas. "As árvores mais finas e de raízes superficiais cresceram rápido e, com isso, alguns serviços ecossistêmicos como a ciclagem de água e captura de carbono atmosférico se recuperaram", diz Maracahipes.
A despeito desses sinais positivos, a recuperação real é um movimento mais lento: quantidade de árvores não implica variedade. "A riqueza e a composição de espécies demoram mais porque as árvores mais robustas têm crescimento lento", ele observa.
Outro achado da pesquisa é o papel de antas, macacos e aves para recuperação de áreas degradadas. "Esses animais são muito importantes como dispersores de sementes, especialmente das maiores, que originam árvores de crescimento lento", diz, pois eles consomem frutos em um local e evacuam em outro, espalhando sementes por onde circulam.
O achado é um dado científico de algo que Maracahipes já sabia instintivamente ainda antes de se tornar biólogo. Filho de pai vaqueiro e mãe doméstica, nascido no interior do Mato Grosso, há muito ele está familiarizado com o campo. Hoje na Universidade Yale (EUA), o pesquisador dá a entender que há muito trabalho a ser feito e ele tem pressa. Com as queimadas e ondas de calor que o Brasil testemunha, a urgência é mais que justificada.
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Meghie Rodrigues é jornalista.
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