O preconceito é uma construção cultural que resulta em juízos de valor sem compromissos com a verdade e que podem ser conscientes ou inconscientes. São ideias ou percepções errôneas que resultam em tratamentos injustos com pessoas ou grupos sociais.
O efeito de narrativas preconceituosas não é apenas coletivo, mas ocorre também em um nível subjetivo de autopercepção das vítimas, provocando falsas crenças que os levam a reproduzir escolhas que os mantém em vulnerabilidade.
E quem eu chamo de vítimas aqui? São as pessoas que pertencem a grupos sociais minorizados, como mulheres, negros, LGBTQIAPN+, indígenas e pessoas com deficiência. A construção de um imaginário social em que pessoas negras não estão preparadas para posições de poder e liderança, por exemplo, tem grande efeito na construção autoimagem de profissionais pretos e pardos.
Há alguns anos tenho me dedicado ao desenvolvimento de talentos negros que ocupam posições de liderança em grandes organizações brasileiras. Uma geração de profissionais que conquistou o direito de pensar no trabalho como espaço de contribuição intelectual e construção de patrimônio pessoal.
São muitas as semelhanças nas trajetórias e comportamentos, mas alguns elementos estão diretamente conectados com a autoimagem. Esses profissionais, em algum momento, percebem o quanto as suas decisões profissionais ainda são impactadas pelas expectativas sociais racistas introjetadas neles. Cientes disso, se desafiam na forma como lidam com ambição e expectativas de crescimento.
Isso me faz pensar que se, para esse recorte, romper com os modelos sociais estabelecidos é uma tarefa diária na condução da carreira. Para milhares de pessoas negras, as decisões ainda estão relacionadas às expectativas racistas sobre o papel do negro no mundo do trabalho.
No livro Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas, organizado por Michael França e Alysson Portela, é citado o dado que mostra existir disparidades raciais nas taxas de mobilidade social intergeracional: pessoas negras têm 52,8% de chance de permanecer entre os 20% mais pobres, mas apenas 2% de chances de subir para os 20% mais ricos.
Por isso a urgência de criação de modelos sociais que possibilitem a pessoa negra de ocupar espaços de poder e riqueza. Esses profissionais são referências em suas famílias e times, pela demonstração da possibilidade de resistir. Em termos materiais, apoiam financeiramente, com mentorias e com conhecimento, a chegada e o fortalecimento de novos profissionais negros formados todos os anos pelas melhores universidades do país.
Os dados sobre a discriminação racial no Brasil seguem nos desafiando e exigem mudanças estruturais e políticas públicas de longo prazo. O setor privado também exerce um papel fundamental na contratação e desenvolvimento de profissionais negros para a construção de novos imaginários sociais da negritude. Programas afirmativos de trainee, sucessão e formação de conselheiros são iniciativas fundamentais para a construção desse modelo que, para nós negros, evidencia o óbvio: o quanto já somos muito e já estamos prontos para estar nas mesas que decidem os rumos das economias no mundo.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Talita Matos foi "Sorriso Aberto", de Jovelina Pérola Negra.