Em um dia frio de novembro, centenas de pessoas se aglomeravam em uma arena na cidade inglesa de Coventry, que já recebeu shows do Oasis, Rihanna e Harry Styles —mas, dessa vez, o evento era bastante diferente de um grande show.
As 500 pessoas que compareceram, algumas vindas de lugares distantes como a Mongólia e o Canadá, estavam ali reunidas para o Campeonato Nacional de Rubik do Reino Unido, torneio de várias categorias onde ganha aquele que consegue solucionar mais rapidamente o cubo de Rubik —mais conhecido no Brasil como cubo mágico.
Durante três dias, os participantes competiram em mesas colocadas em fileiras na arena em 15 categorias. Algumas exigiam resolver o quebra-cabeça com apenas uma mão, outras com os olhos vendados.
O adolescente James Alonso venceu o maior evento do torneio —o de speedcubing— resolvendo o clássico cubo 3x3, de seis faces e seis cores, em 6,3 segundos.
O recorde mundial para uma jogada única é atualmente detido por Max Park, dos EUA, com um tempo de apenas 3,13 segundos para resolver esse cubo.
Está muito longe da velocidade inicial de Ernő Rubik, um professor húngaro de arquitetura que inventou o cubo mágico em 1974 e levou cerca de um mês para resolvê-lo.
O speedcubing se tornou popular a partir da década de 1980.
Até o momento, estima-se que 412.000 pessoas tenham participado de competições de speedcubing ao redor do mundo.
Produtos relacionados ao cubo mágico tiveram em 2023 vendas globais totalizando US$ 86,6 milhões (cerca de R$ 416 milhões, considerando a cotação em dezembro de 2026), um aumento de 13,5% em relação a 2022.
A licença desses produtos foi adquirida pela multinacional canadense de brinquedos Spin Master em 2021.
Isso sem contar as vendas de outros tipos de cubos de diferentes marcas e tipos —daqueles de madeira aos eletrônicos com bluetooth integrado.
Mais recentemente, cientistas têm demonstrado os benefícios do speedcubing para o bem-estar, uma vez que esses jogos envolvem a resolução de problemas, memória e coordenação motora.
"O speedcubing oferece uma combinação única de desafio cognitivo, conexão social e realização pessoal que contribui para a felicidade", diz Polina Beloborodova, pesquisadora associada do Centro de Mentes Saudáveis da Universidade de Wisconsin-Madison.
"Ele satisfaz a necessidade psicológica básica de competência e o sentimento de eficácia e maestria."
Speedcubing e felicidade: o que dizem os cientistas
Resolver o cubo também pode impulsionar a felicidade porque explora outras emoções, de acordo com Julia Christensen, pesquisadora sênior do Instituto Max Planck de Estética Empírica na Alemanha.
"Espanto, beleza, ser tocado emocionalmente... Todas essas são emoções estéticas, e vivenciá-las nos dá uma sensação extrema de felicidade", diz ela.
"Por exemplo, quando um padrão é o padrão certo, quando um movimento é particularmente incrível no cubo, essas emoções estéticas podem proporcionar experiências transformadoras."
Alguns jogadores de speedcubing já descreveram o estado mental que a atividade proporciona como um "fluxo".
"Esse estado é alcançado quando a dificuldade da atividade corresponde ao seu nível de habilidade, as distrações são mínimas, os objetivos são claros e o retorno é imediato. Todas essas são características do speedcubing", diz Beloborodova.
O fluxo pode parecer "quase meditativo", de acordo com Ian Scheffler, autor do livro Cracking the Cube (algo como "Solucionando o cubo").
"Você entra nesse estado em que está meio que pensando e não pensando ao mesmo tempo. Você reage ao que o cubo está lhe mostrando, mas de uma forma quase instintiva", explica Scheffler.
"É um tipo de atenção plena profundamente gratificante... Um estado pacífico e calmo em que você está completamente em sintonia com cada reviravolta do quebra-cabeça."
Há bons motivos para buscar esse estado de fluxo na rotina, de acordo com Christensen.
"A ciência mostra que pessoas que experimentam essa sensação de fluxo regularmente têm melhor saúde mental, possivelmente melhor saúde física e estão mais em sintonia."
"Quando repetimos movimentos, eles são registrados ou codificados a partir de sistemas de memória explícitos e de esforço. Depois, passam para sistemas de memória implícitos, de menos esforço", continua.
Nicholas Archer, um speedcuber de 17 anos de West Yorkshire, na Inglaterra, diz que já experimentou isso.
"Quando estou resolvendo o cubo, certamente não preciso pensar muito sobre o que estou fazendo. É tudo automático", diz o jovem, que venceu a modalidade usando uma mão no Campeonato Rubik de Speedcubing do Reino Unido deste ano, com tempo médio de 8,69 segundos.
Benefícios sociais
Considerando o aspecto social, os benefícios podem ser ainda maiores.
"Como o speedcubing é um fenômeno social, talvez o aspecto social se combine com a resolução de quebra-cabeças para proporcionar uma experiência profundamente satisfatória", diz Adil Khan, pesquisador de neurociência na universidade King's College London.
Jan Hammer começou a praticar speedcubing aos 44 anos, após ser apresentado ao jogo por sua filha de 13 anos.
Desde então, ele resolveu cubos cerca de 10 mil vezes, mas não acha que teria mantido esse nível de entusiasmo se estivesse sozinho.
"O fato de poder fazer isso com minha filha e de torcermos um pelo outro é maravilhoso. Além disso, fazer parte da comunidade do cubo se tornou uma grande motivação."
As competições tendem a ter mais crianças e adolescentes —não é incomum que competidores tenham apenas seis anos.
A atividade também é significativamente mais popular entre os homens. A associação voltada para esse tipo de jogo, a World Cube Association, registra que 221.117 homens competiram em seus eventos, contra 24.311 mulheres.
De acordo com a pesquisadora Polina Beloborodova, o speedcubing contribui para os dois aspectos da felicidade: o bem-estar hedônico, mais voltado para as experiências; e o bem-estar eudemônico, que diz respeito ao significado e propósito na vida.
Quebra-cabeças e o cérebro
Os efeitos do speedcubing no cérebro e na função cognitiva são, no entanto, menos claros.
Ao resolver um cubo, o cérebro está tentando movimentos diferentes e testando possibilidades, explica Toby Wise, pesquisador sênior em neuroimagem no King's College London.
"Seu cérebro pode percorrer diferentes jogadas para prever qual terá o melhor resultado", diz.
No entanto, isso não cria necessariamente benefícios de longo prazo, como melhorias na memória. Isso porque, segundo Khan, o cérebro não é como um músculo que precisa ser flexionado para crescer.
Por muitos anos, alguns sugeriram que resolver quebra-cabeças, jogos como Sudoku e palavras cruzadas pode retardar o declínio cognitivo ou a demência. No entanto, esse não é necessariamente o caso.
Um estudo publicado em 2018 pelo Aberdeen Royal Infirmary e pela Universidade de Aberdeen mostrou que pessoas que fazem atividades intelectuais regularmente ao longo da vida têm habilidades mentais mais altas.
Isso coloca o nível cognitivo em um ponto mais alto, a partir do qual pode iniciar o declínio —portanto uma vantagem em relação a quem tem um declínio a partir de um ponto mais baixo. Mas isso não quer dizer que o declínio seja mais lento entre aqueles com habilidades mentais mais altas.
Para Khan, provavelmente resolver quebra-cabeças não previne o declínio cognitivo decorrente da idade.
Mas há um outro benefício do speedcubing apontado por seus amantes: a sensação de escapar da vida moderna frenética.
"Ter um objetivo claro, algo que você pode realmente conquistar, é algo que não temos necessariamente na vida cotidiana, Isso apazigua nosso cérebro", diz Christensen.
Esse benefício talvez ajude a explicar por que os cubos são tão populares em uma época com uma miríade de jogos de computador e atividades tecnológicas para escolher.
Como Hammer diz: "Quando pego o cubo, fico mais alerta e focado."
Ele até usa o quebra-cabeça no seu local de trabalho.
"É algo que pode me ajudar a entrar na próxima reunião com uma perspectiva mais estruturada", conta.
Scheffler concorda.
"O processo de tirar o cubo desse estado caótico e desordenado —que é sempre diferente porque há muitas combinações— para um estado ordenado é fundamentalmente algo que os humanos querem fazer."
"Há uma necessidade humana fundamental de fazer ordem a partir da desordem, porque o universo é um lugar muito caótico, e a maioria das coisas não é ordenada", conclui o pesquisador