Lembra quando as criptomoedas eram tão fortemente e onerosamente regulamentadas, tão desnecessariamente questionadas pelas autoridades, que todo o mercado desabou de forma espetacular à medida que uma plataforma de criptomoeda após outra, rigidamente regulamentada, caia no esquecimento?
Pois é, eu também não. Porque não foi bem assim que aconteceu, não é? Da última vez que o mercado de criptomoedas desmoronou, em 2021-22, não foi porque a indústria estava tão rigidamente controlada pelos reguladores, mas o oposto.
Ocorreu pela falta de supervisão regulatória no chamado "espaço cripto" que os barões deste mundo acreditaram que tinham o direito de brincar com o dinheiro dos outros como se estivessem jogando Banco Imobiliário.
Foram essas enormes lacunas nas regras sobre tomada de riscos, alavancagem e transparência que foram exploradas e que acabaram levando tantos projetos de criptomoedas a desmoronar quando o mercado se voltou contra eles. E foi a falta de proteção ao consumidor —e de compreensão dos riscos envolvidos— que levou tantos investidores de varejo a perderem suas economias de vida (a maioria dos barões das criptomoedas estava segura, é claro, porque sabiam melhor do que colocar todo o seu dinheiro em cripto).
E ainda assim, a ideia de que é necessário ter menos regulamentação, de que as criptomoedas foram tratadas injustamente, e de que deveriam simplesmente ser aceitas como uma parte inofensiva do sistema financeiro, é a que está sendo agressivamente promovida pela indústria cripto e seus acólitos.
"Eliminar o CFPB (Comitê de Proteção Financeira do Consumidor). Existem muitas agências reguladoras duplicadas", escreveu Elon Musk em sua plataforma X (antigo Twitter) na quarta-feira (27). O bilionário estava se referindo ao órgão de vigilância dos EUA que busca proteger os norte-americanos contra o tipo de comportamento predatório que causou o último colapso das criptomoedas.
O mundo das criptomoedas, sem surpresa, tem vivido em estado de euforia desde a vitória eleitoral de Donald Trump que, tendo uma vez denunciado a indústria como uma "fraude", posteriormente se apresentou como o "presidente das criptomoedas" e prometeu fazer dos EUA "a capital cripto do planeta".
Os preços das criptomoedas decolaram com as expectativas de que Trump pudesse vencer e dispararam ainda mais quando ficou claro que ele havia vencido. O bitcoin subiu cerca de 40% desde a eleição, atingindo novos recordes históricos pouco abaixo de US$ 100 mil. O valor de mercado estimado de todas as criptomoedas —uma métrica duvidosa, mas a única disponível— ganhou mais de US$ 1 trilhão.
A moeda virtual favorita de Musk, dogecoin, por sua vez, ofuscou o bitcoin em termos de ganhos, subindo 150% desde a eleição. Por quê? Porque Doge é o acrônimo do novo "departamento de eficiência governamental" que Musk deve liderar. Isso é totalmente hilário ou profundamente sombrio? Acho que depende do seu senso de humor.
Parece que Trump vai cumprir suas promessas ao mundo cripto, e que os mais de US$ 100 milhões que o lobby cripto gastou na eleição dos EUA —que representou quase metade de todos os gastos corporativos— estão valendo a pena.
Na semana passada, foi divulgado que Trump está consultando a indústria cripto sobre quem ele deve nomear como o próximo presidente da SEC (Comissão de Valores Mobiliários), cujo o atual ocupante do cargo, o crítico das criptomoedas Gary Gensler, anunciou a sua renúncia após o presidente eleito anunciar que demitiria Gensler assim que assumisse o cargo.
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Além do enorme apoio que os titãs multibilionários da indústria cripto estão dando a ele, Trump tem interesses financeiros pessoais em cripto também, como o empreendimento de seus filhos, World Liberty Financial.
Nada disso deve nos levar a acreditar no compromisso feroz de Trump em cumprir suas promessas. Mas isso deve nos preocupar. Eu evitei falar sobre cripto como um "risco sistêmico" no passado porque era relativamente pequeno e muito desconectado do restante do sistema financeiro. Mas isso está mudando.
Após a aprovação da SEC dos fundos negociados em Bolsa de bitcoin no início deste ano, as criptomoedas se tornaram muito mais conectadas ao restante do sistema financeiro. E os números são enormes: o ETF de bitcoin recentemente lançado pela BlackRock já atraiu impressionantes US$ 48 bilhões (R$ 288 bilhões).
Martin Walker, pesquisador honorário da Warwick Business School, está preocupado que os reguladores podem ser excluídos. "Uma coisa que a história nos ensina sobre crises financeiras é que o risco sempre se acumula e depois explode em áreas que os reguladores nunca parecem esperar", conta. "As falhas no sistema financeiro nem sempre são óbvias... O financiamento cripto é tão grande agora que certamente há riscos macroeconômicos... que são tanto perigosos quanto pouco compreendidos."
Ironicamente, aqueles que estão pressionando pela desregulamentação das criptomoedas são os mais propensos a provocar seu próximo colapso. Mas da próxima vez, pode não ser apenas o cripto que será queimado.