Novo 'Diário de um Banana' é tão repetitivo que parece livro feito por IA

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Ser ou não ser? Eis a questão shakespeariana que sempre cai no colo de todo artista que faz sucesso e decide publicar a continuação de alguma obra. A sequência vai ser uma repetição do original? Ou vai preferir mudar os rumos e apostar na inovação e na variação?

É bem mais comum ver esse tipo de dúvida aparecer no audiovisual, que não para de entupir cinemas e plataformas de streaming com filmes e séries infinitas. Mas vira e mexe isso também respinga no mundo dos livros, sobretudo na literatura infantojuvenil.

Talvez o caso recente mais famoso seja o da coleção "Diário de um Banana", que acaba de chegar ao 19º livro, chamado "Baita Lambança". Lançada pela primeira vez em 2007 nos Estados Unidos, a história escrita e ilustrada pelo americano Jeff Kinney já vendeu mais de 290 milhões de exemplares em todo o mundo, sendo traduzido para 70 idiomas —só no Brasil, onde é publicado pela editora VR, os números chegam a 14 milhões de cópias.

Se a sabedoria popular diz que não se mexe em time que está ganhando, Kinney não teve muitas dúvidas para responder à questão que abre este texto. Entre ser e não ser, ele decidiu que "Diário de um Banana" será. Será repetitivo. Será sempre igual. Será previsível. Será obediente a uma mesma forma. No fundo, o autor está há 19 livros e 17 anos escrevendo e ilustrando a mesma história.

Em poucas palavras, as narrativas falam de Greg Heffley, um pré-adolescente que se sente deslocado na escola e na família e precisa lidar com os desafios e frustrações dessa fase da vida. Com pitadas de ironia, egoísmo, inocência e insegurança, ele tenta driblar as responsabilidades e encontrar atalhos para se tornar popular, mas vê as coisas darem sempre errado. E tudo bem, porque ele se adapta ao fracasso e foge de qualquer lição de moral no fim —o que, aliás, é um dos grandes acertos da série.

Esse modelo pode ser aplicado a quase todos os livros. Em "Baita Lambança", a família decide realizar um desejo da avó e viajar junta para a praia. Se a reunião de parentes já é motivo para tensões e conflitos que fazem o protagonista se sentir um peixe fora d'água, tudo piora com uma tia gratiluz, primos da pá virada e horários definidos para usar o único banheiro da casa alugada.

Tirando uma ou outra sacada inteligente e engraçada, como o instante em que Greg tenta virar influencer gastronômico e quando o cachorro de uma tia se torna famoso nas redes sociais, todo o resto é um purê de mais do mesmo. Soa como piada requentada. Parece que já lemos esse livro antes.

Mas nem sempre foi assim. Embora não tenha inventado a roda, "Diário de um Banana" trouxe frescor quando surgiu nas prateleiras há quase 20 anos. Assumidamente pop e comercial, a série explorou de um jeito jovem e contemporâneo a imagem do protagonista deslocado, autodepreciativo e anti-herói. Na forma, misturou a linguagem do romance, do diário e dos quadrinhos, difundindo um formato que continua a ser copiado até hoje por muitos autores.

A grande questão é que tudo isso faz parte do passado. Já foi feito. Não gera surpresas, mesmo considerando que o público infantojuvenil se renova constantemente.

Não é também que Kinney devesse chutar o pau da barraca, dar um cavalo de pau na narrativa, virar personagens de cabeça para baixo, implodir a linguagem. No caso de sequências, variações muito radicais costumam gerar repulsas igualmente radicais entre os fãs —talvez o caso mais recente seja o do novo filme "Coringa: Delírio a Dois". Só que a mera repetição mecânica também acaba produzindo resistência, cansaço, bocejos, desinteresse e esgotamento.

E há um agravante extra. Atualmente, as inteligências artificias já são plenamente capazes de detectar padrões e reproduzi-los na hora de criar novas obras. Não é mais papo de ficção científica treinar um algoritmo para escrever e ilustrar centenas de novos "Diário um Banana" que sigam a mesma fórmula repetida por Kinney desde 2007.

Aí voltamos à questão do início: ser ou não ser? Na literatura, raramente há respostas certas ou erradas. Depende do autor e do projeto. Mas é importante ter em mente uma coisa. Num mundo tomado por IAs, talvez livros repetitivos e previsíveis já não precisem mais ser feitos por escritores e ilustradores de carne e osso.

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