O número de mortes confirmadas por dengue no Brasil em 2024 já supera a soma de óbitos nos oito anos anteriores. É o que mostra levantamento da Folha com base nas informações do Datasus até 9 de dezembro.
Neste ano, 5.873 pessoas morreram em decorrência da doença no país. De 2016 a 2023, foram 4.992 óbitos. Os dados são provisórios, pois há notificações em investigação.
Os registros também indicam que a quantidade de mortes no país em 2024 representa 47,5% de todos os óbitos desde 2014, que são 12.363. A soma não inclui o Espírito Santo, que tem uma contabilidade própria.
Em números absolutos, São Paulo (1.964) e Minas Gerais (1.117) são os estados com mais mortes.
No recorte que considera a incidência de óbitos por 100 mil habitantes, as taxas mais expressivas em 2024 foram registradas no Distrito Federal (15,29 por 100 mil habitantes), Paraná (6,19), Goiás (5,41), Minas Gerais (5,24), São Paulo (4,27) e Santa Catarina (4,22).
Em 2020, o Espírito Santo passou a utilizar uma ferramenta própria para a notificação compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pelos serviços públicos e privados. É o e-SUS Vigilância em Saúde, desenvolvido em parceria com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).
Desde então não há mais inserção de dados estaduais de vigilância nos sistemas ministeriais. As informações presentes no tabulador nacional são de residentes do Espírito Santo notificados em outros estados. De acordo com o sistema, 2023 encerrou com 129.100 casos confirmados de dengue e 99 mortes. Até 20 de dezembro de 2024, foram confirmados 128.522 casos e 41 óbitos.
Antônio Carlos Bandeira, membro do Comitê de Arboviroses da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e infectologista do Lacen (Laboratório Central) da Bahia, diz acreditar que o país pode fechar dezembro com quase 8 mil óbitos.
De janeiro a 9 de dezembro deste ano, o Brasil registrou 6.436.099 casos prováveis de dengue, número superior à soma dos últimos seis anos —6.206.983.
O total de casos de 2024 representa 38,5% do quantitativo dos últimos dez anos (16.683.425).
As maiores taxas de incidência da doença estão concentradas de fevereiro a maio. Março foi o pior mês. A cada 100 mil habitantes, 800,59 estavam infectados. Em seguida vêm abril (758,7), maio (515,51) e fevereiro (499,36).
O Distrito Federal destacou-se com a maior taxa do país na comparação entre 2023 e 2024. No ano passado, a incidência da doença foi de 1.449,62 casos por 100 mil habitantes; neste ano, de 9.360,11.
"Foi uma explosão de dengue no país inteiro, principalmente no Sul e Sudeste. Mas a gente imagina que, de cada caso que entra no sistema, você tem pelo menos três que não entram —pacientes com poucos sintomas que não procuram as unidades de saúde, pessoas com sintomas leves e [para quem] o médico faz diagnóstico de virose ou mesmo quando ele suspeita que é dengue, mas mais leve e o caso nem é notificado. Se pensarmos nisso, teríamos mais de 30 milhões de casos reais de dengue no Brasil", afirma Bandeira.
O infectologista avalia que houve avanços positivos no combate à dengue —como a vacina e os mosquitos modificados—, mas afirma que falta investimento em pesquisas para a produção de medicamentos contra a dengue.
"Não é possível que a gente tenha um antiviral para a Covid, que começou em 2020, e não tenhamos para a dengue, que está aí há 50 anos. O investimento na pesquisa de novas drogas para dengue tem sido negligenciado. E a gente precisa porque, especialmente naqueles pacientes que evoluem com a doença mais grave, ter medicamento para inibir a replicação do vírus da dengue é importante. Acho fundamental unir a vacina, a disseminação desses mosquitos com Wolbachia em larga escala e o desenvolvimento de drogas para dengue e outras arboviroses."
"Outro ponto é a questão da água e do esgoto, que estão relacionados à dengue. A falta de água faz com que as pessoas a acumulem, e isso facilita a proliferação do mosquito. Já passou da hora de a gente ter um país com 100% de saneamento básico. É uma vergonha. A mesma coisa para o esgoto. Sabemos que as larvas do Aedes aegypti também se multiplicam em água suja", finaliza Bandeira.
Dengue em 2025: o que esperar
Prever a magnitude da dengue em 2025 é difícil. A doença, contudo, já dá sinais de crescimento em algumas regiões, segundo Bandeira, como o estado do Tocantins e o oeste paulista.
Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da SBI e chefe do Departamento de Infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), diz acreditar que em 2025 o país poderá viver uma situação semelhante à de 2024 ou pior em relação à doença.
"Temos um avanço da fronteira do Aedes aegypti e do vírus da dengue para praticamente todos os estados. Em 2023 e 2024, vimos estados que não tinham grandes problemas com dengue no passado, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, enfrentarem graves epidemias. Uma parcela da população desses estados e de outros ainda não teve contato com o vírus", diz Barbosa.
"E há os fenômenos climáticos, aquecimento global, maior volume de chuva, maiores temperaturas. Todos esses fenômenos juntos são perfeitos para a proliferação do Aedes aegypti e a transmissão da dengue", acrescenta.
Cuide-se
Ciência, hábitos e prevenção numa newsletter para a sua saúde e bem-estar
O Ministério da Saúde diz estar intensificando as ações de combate à proliferação do mosquito Aedes aegypti em todo o país.
Também afirma ter colocado em prática a segunda etapa da campanha "Tem sintomas? A hora de ficar atento à dengue, zika e chikungunya é agora". A ação incentiva a população a procurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde) caso verifique sintomas como manchas vermelhas no corpo, febre e dores de cabeça e atrás dos olhos.
O Plano Nacional contra as Arboviroses 2024/2025 terá um investimento aproximado de R$ 1,5 bilhão. Entre as ações prioritárias estão os métodos Wolbachia —que impede que o vírus se desenvolva no inseto— e mosquitos estéreis em aldeias indígenas, garantia de doses da vacina contra a dengue para o público-alvo, ampliação de insumos laboratoriais para testagem e ampliação do controle vetorial com a distribuição de inseticidas e biolarvicidas.
Diagnóstico precoce salva vidas
O infectologista Alexandre Naime Barbosa orienta buscar orientação médica imediata aos primeiros sinais de febre alta e dores de cabeça e no corpo. O diagnóstico precoce de dengue salva vidas, ele diz. "A mortalidade por dengue pode ser zero se eu consigo atender esse paciente logo nos primeiros dias."
Para Barbosa, o Brasil absorveu poucos aprendizados ao longo dos últimos 40 anos.
"A dengue é a maior prova de que, na minha visão, muitas vezes a informação não se transforma em mudança de hábito, de atitude, que é tirar o pratinho, vistoriar as calhas. Não falta informação. É como beber e dirigir, todo mundo sabe que não pode. O poder público tem que agir. Como é que você previne motorista bêbado? Tem que fazer blitz, multar. Na dengue, tem que vigiar e punir."
Dengue transfusional
A possibilidade de transmitir o vírus da dengue por meio de transfusão de sangue —a exemplo do que ocorreu em São Paulo—, somada a uma provável epidemia de dengue, é motivo de preocupação para 2025, afirma Vanderson Rocha, diretor-presidente da Fundação Pró-Sangue e professor titular de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Faculdade de Medicina da USP.
"Dengue transfusional é pior principalmente para os imunodeprimidos e que passam por transplante de medula óssea, já que eles precisam de uma quantidade enorme de transfusão. Pessoas com câncer que recebem transfusão com sangue contaminado com vírus da dengue podem desenvolver a forma grave e morrer", diz.
De acordo com Rocha, fazer a sorologia para a dengue no momento da doação não é eficaz, porque durante a janela imunológica —período entre a infecção e a produção de anticorpos— o doador pode não ter sintomas nem sinais da doença.
"O que fazer? O Ministério da Saúde, por enquanto, não autorizou o rastreamento de biologia molecular. Fizemos um cálculo, e no estado de São Paulo conseguiríamos fazer esse rastreamento através de doação de sangue. Custaria em torno de R$ 28 milhões de reais", afirma.