Ele era dono de uma pequena livraria e naquele dia me emprestou o livro que tinha acabado de ler. "Toma, Alice. Você vai gostar dessas reflexões. A epígrafe é a história da minha vida", ele disse meio que sorrindo. Peguei o catatau e levei comigo sem nem olhar a capa porque estava atrasada para pegar o ônibus.
Roberto era um amigo de infância que eu tinha reencontrado naquelas férias. Ele havia se mudado para o interior depois de alguns anos morando em Paris. Sentei na janela porque a viagem era longa e a paisagem iria me ajudar a não sentir enjoo. Na véspera tínhamos ido a uma festa e minha cabeça ainda conversava com as bebidas. No meio da viagem lembrei da epígrafe. A história da vida dele! Quando abri o livro não acreditei. Que bobo! Era algo como: Eu queria na vida ter tido apenas uma mulher, porque assim teria que contar minha vida apenas uma vez.
Na mesma hora pensei que eu, Alice, gostaria de ter tido apenas um psiquiatra para não precisar falar das minhas questões para tanta gente. Sem dúvida eu tinha estado em mais consultórios do que eu gostaria e sempre pensava nisso. Lembro da primeira vez que fiz contato com um psiquiatra. Eu tinha dezesseis anos e estava de férias. Com pânico. Não conseguia sair de casa por nada. Ficava deitada o dia todo. Minha mãe chamou minha terapeuta da época e ela me encaminhou a um psiquiatra. A situação era urgente. Fico com falta de ar só de lembrar.
Com essa idade eu comecei a tomar remédios e nunca mais parei. Será que isso era normal? Naquela viagem, eu fiz questão de contar, um a um, todos os psiquiatras pelos quais eu tinha passado. Mais do que me assustar com o número e perceber que isso definitivamente não era normal, lembrei de diversas histórias tristes que eu colecionava. Como já disse por aqui, tratar de doenças mentais não é fácil e depende de muitos fatores, sobretudo de uma sintonia fina entre paciente e médico.
Uma das minhas queixas é a ignorância da categoria a respeito do alcoolismo. Nenhum psiquiatra nunca me diagnosticou como alcoólatra. A bebida sempre esteve presente nos meus relatos, mas mesmo assim nunca fui aconselhada a procurar ajuda nesse sentido específico da doença. Acho que a experiência em salas de alcoólicos anônimos me fez ter a certeza de que nunca ninguém acertou meu tratamento.
Por outro lado, se me dissessem que eu era alcoólatra, não teria adiantado: teria sido preciso que eu me identificasse como doente. Não levaria a sério que alguém me dissesse para parar de beber. Provavelmente iria trocar de médico e focar na depressão. O álcool, ninguém tiraria de mim. A doença é tão assustadora que outro dia minha melhor amiga disse que tinha certeza de que eu não era alcoólatra, que meu problema era outro. Como passou muito tempo desde minha última bebedeira, as pessoas esquecem e tendem a minimizar os estragos…
Lembrei de tudo isso hoje porque estava fazendo uma arrumação para receber o ano-novo e achei o papel onde escrevi o nome de todos os psiquiatras de que me lembrei naquela viagem. Estava dentro do livro que nunca mais devolvi ao Roberto. Olhando aqueles nomes, me dei conta de quanto dinheiro e tempo foram gastos, além dos custos emocionais. Teria sido mais frutífero e econômico se eu tivesse tido mais namorados.