Não é verdade que STF já cravou ausência de vínculo CLT em trabalho de app

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 Gustavo Moreno/STF
O ministro Edson Fachin, do STF. Foto: Gustavo Moreno/STF Imagem: O ministro Edson Fachin, do STF. Foto: Gustavo Moreno/STF

Nesta segunda-feira (9), tem início uma aguardada audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal) para debater uma polêmica que se arrasta há uma década, desde o início das operações da Uber no país: a existência de vínculo empregatício, nos moldes previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), entre aplicativos e trabalhadores.

A audiência foi convocada no final de outubro pelo ministro Edson Fachin. Ele é o relator de um recurso movido pela big tech contra uma decisão da terceira e última instância da Justiça do Trabalho que apontou vínculo entre a plataforma e um motorista, implicando o pagamento de direitos como 13º salário e férias remuneradas.

É justamente esse processo sob responsabilidade de Fachin que vai definir a chamada "repercussão geral" — quer dizer, a posição definitiva do STF sobre o assunto.

Uma vez formulada a tese, juízes de todo o país deverão seguir esse entendimento na análise de processos similares. A audiência pública desta segunda, que se estende pela terça-feira (10), foi chamada para aprofundar o debate e subsidiar a decisão da corte.

iFood foi condenado a registrar entregadores e a pagar multa de R$ 10 milhões

O tema voltou com força na semana passada, depois de o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT2), segunda instância da Justiça trabalhista, multar o iFood em R$ 10 milhões e mandar o aplicativo assinar a carteira de entregadores. A empresa já anunciou que vai recorrer.

Desde então, pipocaram análises e reportagens com críticas a um suposto ativismo de magistrados da Justiça do Trabalho, que estariam desrespeitando a orientação do STF contra o enquadramento de profissionais de aplicativos na CLT.

Como esta coluna já mostrou em diversas reportagens, é verdade que a maioria dos integrantes do Supremo vem se manifestando a favor do argumento central das plataformas sobre a inexistência de vínculo.

Em alguns casos, os ministros foram ainda mais longe, retirando da Justiça do Trabalho a competência para julgar os processos e remetendo as ações para a chamada Justiça comum.

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Dessa forma, o contrato entre a Uber e um motorista, por exemplo, deixa de ser entendido como uma relação de trabalho e passa a ser visto como uma mera relação comercial de intermediação.

No entanto, esses posicionamentos têm aparecido em decisões monocráticas (individuais) ou de turma (composta por um time de ministros). Até o presente momento, não há uma tese fixada pelo STF como um todo para nortear o julgamento de ações sobre esse assunto. Reiterando: é o recurso relatado por Fachin que deverá consolidar o entendimento da corte.

Assim, afirmar que o STF já bateu o martelo sobre a não validade da CLT para o trabalho em aplicativos é impreciso, para dizer o mínimo. E esse debate se complexifica quando se observam as atuações dos ministros Flávio Dino e, em menor escala, do próprio Fachin.

Em diferentes processos, ambos já tentaram sensibilizar os colegas para um princípio básico do Direito do Trabalho: a chamada "primazia da realidade". Isso quer dizer que é necessário analisar a relação com base no que de fato acontece, e não com fundamento no que alegam as partes — principalmente, as plataformas.

Foi o que fizeram os desembargadores do TRT2, por exemplo. Ao comparar a atuação do iFood com a de outra importante plataforma, o Airbnb, elas mencionaram diferenças significativas.

Se o site de aluguel de casas funciona de fato como um intermediador, fazendo o meio de campo entre quem aluga e quem oferta o imóvel, o mesmo não se pode dizer do iFood. É a plataforma que oferece as corridas, estabelece os valores das viagens e controla os itinerários das entregas.

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A subordinação é evidente, ainda que os entregadores tenham a aparente liberdade de negar corridas — como se sabe, uma das principais queixas da categoria diz respeito a punições motivadas pela recusa de viagens.

Atividade em app é relação de trabalho e não relação comercial

A audiência no STF retoma o necessário debate sobre os direitos de milhões de brasileiros que ganham a vida em aplicativos. E acontece em momento oportuno, já que o Projeto de Lei 12/2024 para regulamentar a atividade de motoristas, apresentado pelo governo federal após meses de debates em Brasília, e já bastante alterado no Congresso Nacional, não parece sair do lugar.

Ainda que ministros do STF venham decidir pela inexistência do vínculo CLT, o aprofundamento da discussão é importante para que se consolide o óbvio: o contrato das plataformas com entregadores e motoristas é uma relação de trabalho — e não uma relação comercial.

E, se uma nova legislação for criada para regulamentar essas atividades, deverá caber à Justiça do Trabalho o julgamento de eventuais conflitos.

Até porque, desde 2004, com a Emenda Constitucional 45, a Justiça do Trabalho teve sua competência ampliada para analisar toda e qualquer relação de trabalho, e não apenas os contratos de carteira assinada.

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Por fim, é importante que nem todos os aplicativos sejam tratados, a priori, da mesma forma, afastando de partida as regras contidas na CLT. Como ensina o princípio da "primazia da realidade", os juízes trabalhistas devem ter a prerrogativa de olhar as minúcias, caso a caso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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