Em conferência na prestigiosa escola de ciência política Sciences Po, em Paris, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu o acordo entre a União Europeia e o Mercosul mais em termos políticos do que econômicos. O pacto está próximo da assinatura definitiva, mas enfrenta a oposição da França, devido ao lobby dos agricultores locais, que temem ir à falência com a concorrência dos produtos sul-americanos, sobretudo a carne brasileira.
Na opinião do ministro, presidente Lula defende o acordo UE-Mercosul "menos por razões econômicas do que políticas". "Quando você olha para o acordo do ponto de vista meramente econômico, não salta à vista uma grande vantagem para o Mercosul", disse. O pacto seria seria mais "um desejo político de aproximação" com a Europa. Segundo ele, o acordo é "uma alternativa a um mundo bipolar".
"Acredito que a Europa deveria ter um olhar político sobre esse acordo também. E não apenas ficar discutindo item por item onde você vai ganhar, onde você vai perder."
O tema da conferência eram os dez anos do Acordo de Paris, tratado internacional assinado em 2015 por 196 países, inclusive o Brasil, com metas de redução de emissões responsáveis pelo aquecimento global. Essas metas não vêm sendo cumpridas.
Haddad disse que o enfrentamento da questão climática passa pela economia. Segundo ele, é preciso "trazer as finanças para o coração do debate sobre o clima". "Só assim a COP 30 entrará na história como a COP da implementação", referindo-se à cúpula ambiental marcada para novembro, em Belém, onde será discutida a situação do Acordo de Paris.
Haddad defendeu a tributação dos mais ricos, em todo o mundo, como "um imperativo moral diante do avanço das oligarquias dentro das democracias". E citou dois economistas franceses de esquerda, Esther Duflo, Prêmio Nobel de economia de 2019, e Gabriel Zucman, grandes defensores de impostos sobre grandes fortunas como forma de reduzir as desigualdades no planeta.
O ministro fez uma referência breve à guerra de tarifas desencadeada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ao iniciar seu segundo mandato, em janeiro. As tarifas anunciadas por Trump colocam em risco a atual ordem econômica mundial, fortemente baseada em acordos multilaterais de livre comércio.
O ministro encerrou seu discurso dirigindo-se aos estudantes brasileiros de Sciences Po e fazendo uma referência ao longa "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles Jr., Oscar de melhor filme internacional. A obra conta a história da família do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado em 1971 pela ditadura.
"O filme narra a história de brasileiros que se exilaram na França e retornaram para ajudar na construção da nossa democracia. Hoje nos reunimos para falar do nosso futuro. Essa conexão é algo que vocês, estudantes brasileiros aqui presentes, devem reivindicar para sempre."
Sciences Po, faculdade de elite onde estudou o atual presidente da França, Emmanuel Macron, tem um relacionamento amistoso com os governos do PT. Em 2011, Lula, então ex-presidente, recebeu o título de doutor honoris causa. Dez anos depois, já como pré-candidato à presidência, deu uma palestra no mesmo auditório sobre o tema "Que lugar para o Brasil no mundo de amanhã?".
Nesta terça-feira (1), Haddad tem um encontro com o ministro das Finanças francês, Éric Lombard, abre um evento sobre relações econômicas entre os dois países e almoça com empresários franceses.
Na manhã de segunda (31), Haddad encontrou-se com o ex-primeiro-ministro francês Laurent Fabius. O encontro foi na residência do embaixador do Brasil, Ricardo Neiva Tavares, onde o ministro está hospedado.
Haddad e Fabius falaram da COP 30, que será realizada em Belém, em novembro. Fabius presidiu a COP 21, em 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris.
Fabius, 78, primeiro-ministro socialista entre 1982 e 1984, disse à Folha que também discutiu o assunto na semana passada com o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, durante rápida passagem do diplomata brasileiro por Paris.
"Eu disse a Lago, como disse hoje a Haddad, que esperamos muito de Belém. Temos uma situação paradoxal, pois é um momento em que os danos causados pelo aquecimento global estão maiores. Temos a sensação de que em certos países, estou pensando nos EUA, por exemplo, há um retrocesso. E é exatamente o contrário: precisamos avançar", afirmou Fabius.
Sobre os problemas de logística enfrentados por Belém, por não dispor da infraestrutura hoteleira necessária para um evento do porte da COP, Fabius ofereceu a ajuda francesa. "Tenho certeza de que qualquer coisa que possa ser útil para o Brasil será apoiada pela França", afirmou.
O embarque de Haddad para o Brasil está previsto para a tarde desta terça-feira.
Horas antes da chegada do ministro brasileiro a Sciences Po, a fachada da escola foi vandalizada com tinta vermelha. Suspeita-se que fosse um protesto de estudantes em favor da Palestina, como vem acontecendo desde o início da guerra em Gaza, em outubro de 2023.