Muito além de um grupo de cyberbullying no Whatsapp

há 19 horas 2

A recente notícia de que o Colégio Santa Cruz suspendeu 34 alunos do ensino médio acusados de administrar um grupo de WhatsApp que promovia racismo, homofobia e misoginia contra calouros chamou a atenção. Segundo reportagens, o grupo era utilizado por meninos mais velhos para praticar bullying, ameaças e incitação à violência sexual contra outros alunos mais novos. Esse caso deixou evidente uma das pautas centrais do trabalho da Serenas, uma organização de combate à violência contra a mulher: os estereótipos de gênero não impactam apenas as meninas, mas também os próprios meninos.

Se engana quem pensa que esse é um caso isolado. Ele é a ponta de um iceberg que sustenta valores profundamente enraizados na cultura e na socialização masculina, onde meninos são incentivados a competir agressivamente e a construir sua identidade pela dominação e humilhação de outros. A masculinidade hegemônica ensina que ser homem é afirmar poder sobre os demais –mulheres, aqueles que não se encaixam nos padrões tradicionais de masculinidade ou estão em posição de menos poder. Nessa lógica, humilhar o outro valida o pertencimento ao grupo.

Mesmo as escolas mais progressistas não estão isentas desse tipo de situação. Frequentemente, sou procurada por colégios que se veem de mãos atadas diante de episódios similares. Nas escolas particulares a situação me parece ainda mais preocupante, pois estamos lidando com uma geração de jovens criados em meio ao privilégio. Muitos desses meninos crescem acreditando que estão destinados a ocupar posições de liderança e que o mundo lhes pertence (uma ideia que, sem a devida educação para a equidade, reforça a crença de que podem agir sem consequências).

Meninos não nascem machistas e homofóbicos, mas aprendem desde cedo que para serem aceitos precisam se adequar a rituais de masculinidade que envolvem a dominação e a violência. Nesse modelo, desqualificar e agredir outros meninos e as mulheres torna-se um meio de consolidar a própria masculinidade. O problema é que, enquanto continuarmos tratando casos de bullying —e, neste caso, de cyberbullying—, como fenômenos isolados, sem considerar os marcadores sociais de gênero, raça e classe que os atravessam, esses padrões seguirão sendo normalizados e continuarão a perpetuar futuras violências.

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O ambiente escolar é um dos poucos espaços onde todos os meninos e meninas passam pelo menos uma década de suas vidas, e, ainda assim, a educação para a equidade de gênero e a promoção de masculinidades saudáveis não são priorizadas. Para mudar esse cenário, o currículo escolar deve incluir o ensino de habilidades socioemocionais, permitindo que crianças e adolescentes, especialmente os meninos, desenvolvam relações respeitosas e saudáveis consigo mesmos e com os outros. Falar sobre consentimento, autoconhecimento, emoções e sexualidade saudável não é um luxo, mas uma necessidade urgente.

Se queremos romper com os ciclos de violência, não podemos esperar. A escola é um dos espaços mais poderosos para transformar essa realidade, formando novas gerações que rompam com padrões e aprendam a construir relações baseadas no respeito, na empatia e na equidade. Que tipo de sociedade queremos no futuro? A resposta está na educação que oferecemos hoje.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Amanda Sadalla foi "Tudo pra ontem", de Emicida.

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