Mostra em Curitiba celebra 70 anos de Alex Flemming com ênfase em retratos

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Alex Flemming parte da premissa de que tudo o que um artista faz é autorretrato. Para ele, mesmo quando rostos alheios figuram em seu trabalho, é sua própria identidade que se revela. Sua produção, contudo, também incorpora fragmentos inusitados de si como seus dentes, malas e cuecas, que expandem a noção de retrato.

O artista, em atividade desde os anos 1970 e quase onipresente na cidade de São Paulo, com obras na coleção da Pinacoteca e do Masp, e em permanente exposição no metrô paulistano e na Biblioteca Mário de Andrade, apresenta agora uma seleção de mais de 80 trabalhos no Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba.

A mostra, sob curadoria de Tereza de Arruda, com quem Flemming mantém uma relação de amizade e troca intelectual desde a década de 1990, celebra os 70 anos do pintor, comemorados em agosto passado. "A exposição reflete a evolução sociocultural e sociopolítica do entorno dele, além de ser uma reflexão autobiográfica", diz Arruda.

Entre as obras, está a série "Alturas", na qual Flemming, desde 1988, registra em linhas coloridas sobre fundos vibrantes a estatura de personalidades da cultura que visitam seu ateliê, tanto em São Paulo, quanto em Berlim, onde mora desde 1991.

"Deixo uma tela preparada e nunca sei quem virá. O quadro vai se fazendo com as visitas. É um processo, retrato da minha época e da diversidade cultural que a compõe", afirma o pintor cujo trabalho sempre retorna ao tema do corpo humano.

Nas pinturas, letras feitas a partir de moldes plásticos revelam nomes como o do violonista e compositor Arthur Nestrovski, do historiador Paulo Rezzutti, da artista Mariannita Luzzati e da bailarina Renée Gumiel (1913-2006).

O conjunto exposto no MON, com obras de 1982 a 2023, inclui ainda outras séries, como "Identidade Plástica", de 2004, nas quais cartões de banco, planos de saúde, museus e programas de fidelidade surgem aderidos à superfície da tela, revelando parcelas da trajetória do artista. E produções mais recentes, em que cartelas de letras emolduram objetos pessoais, como chaves, celular, máscara de dormir e um cartão de viajante frequente da companhia aérea alemã Lufthansa.

Esse lado colecionista, aliás, mostra os dentes literalmente em "Autorretrato Dentário", de 2011, uma assemblage com todas as suas extrações odontológicas ao longo da vida.

"Acho importante o artista ser caudaloso, produzir muito, e muito seriamente", afirma.

Alguns trabalhos da mostra sintetizam a vertente crítica de Flemming, como os da série "Body-builders", da virada para o século 21, que se opõe às guerras. No torso de homens jovens e musculosos, justamente quem são enviados para campos de batalha, se sobrepõem mapas de zonas de conflito, como os que aconteciam na Turquia, em Israel, na Índia e no Paquistão, tensionado o olhar entre beleza e destruição bélica.

"Agora uma coisa fundamental, mesmo quando eu falo contra a guerra, é que a arte tem que ser bela, linda, sedutora, colorida. Eu sou um colorista total", afirma o artista.

Não à toa, um cromatismo intenso domina diversas superfícies não convencionais, que ele toma como suporte. Entre elas, antigas malas saturadas de amarelo, azul e laranja, onde elementos gráficos embaralham trechos de poemas, como "Resíduo", de Carlos Drummond de Andrade, e letras de músicas, como "O Mundo", da banda Karnak. Ou ainda cuecas pintadas, uma delas com o verso "ouvir estrelas", de Olavo Bilac, no cós.

Os grafismos também marcam as serigrafias, de 1998, da estação Sumaré do metrô de São Paulo, em que versos de Manuel Bandeira e Torquato Neto se fundem a rostos anônimos. Já nos painéis de vidro da Biblioteca Mário de Andrade, de 2016, que o artista considera uma evolução técnica, as figuras surgem sem intervenções gráficas, mas coloridas, com distorções sutis e um efeito moiré que cria a ilusão de movimento.

Embora tenha experiência com gravura e cinema, o principal guia de Flemming é mesmo a pintura, que lhe permite retratar desconhecidos, amigos, o pai e até a imponência da mãe na UTI, em "Farewell", de 2014.

"Nestes trabalhos", diz ele sobre a série que inclui a matriarca cercada de equipamentos coloridos sobre um fundo preto e prata, "a característica fundamental é a transparência. Não existe pele. Sempre onde há a pele, a pintura avança".

O jornalista viajou a convite do Museu Oscar Niemeyer

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