Miranda July faz da menopausa tema literário incontornável em 'De Quatro'

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Após a leitura de "De Quatro", não há tempo para meias palavras. Miranda July, em seu novo livro, inaugura um gênero tão indispensável —política e esteticamente— quanto imprevisto: o romance estrogênico.

Com graça e sem pudor, a autora insere a menopausa, e a fase maluca que vem logo antes dela, entre as incontornáveis questões da narrativa contemporânea. E também uma das mais eroticamente produtivas.

Nos deparamos com uma espécie de reinvenção do romance de formação ao acompanhar o percurso dessa narradora anônima que, aos 45 anos, vai descobrindo quem ainda pode se tornar. A metamorfose, porém, não segue caminhos óbvios. A personagem não sai em fúria assassina contra o patriarcado nem abandona a família —a experiência de maternidade é, aliás, uma das ancoragens mais doces do romance, e o divórcio, diz ela, é uma ideia tão conservadora quanto o casamento.

A ausência de uma ruptura exterior não significa que a transformação não seja radical. A tensão entre dentro e fora é belamente alegorizada por July ao fazer sua personagem abandonar logo na primeira parada um plano de cruzar os EUA de carro sozinha: a poucos quilômetros de casa, ela aluga um quarto em um hotel fuleiro e começa a redecorar o espaço luxuosamente.

Há no projeto um homem mais jovem envolvido —um dançarino amador—, e, embora a relação entre os dois não seja bem sexual, ou justamente por isso, ela descobre "o prazer furioso de desejar um corpo real e específico", uma experiência mais centrada na fisicalidade imediata do que nas fantasias mentais com que sempre havia engatilhado o próprio desejo até então.

As paixões anteriores não são desmerecidas; ela vive apenas uma nova sexualidade, que descobre enfim estar ligada à flutuação hormonal da perimenopausa —há até um gráfico para nos ajudar a compreender tanto o comportamento do estrogênio ao longo da vida de uma mulher cis quanto o pânico que toma a narradora ao se dar conta de que, com a última menstruação, que vem chegando, despenca a produção do hormônio, e com ela a libido.

Tesão, intimidade e a perspectiva da velhice se misturam nesse momento liminar. "Desejar um corpo é uma coisa séria", ela conclui. Dançando, transando, tateando ou sendo tateado, o corpo é levado a sério no romance de July. E é com seriedade que sua protagonista se joga nas paixões, efêmeras ou obsessivas, desde o dançarino —bem mais interessante do que o clichê sugere— até uma artista plástica narcisista.

Os hormônios, afinal, deixam a personagem "de quatro", e o romance destrincha a experiência desde o terror até a percepção de que estar sobre mãos e joelhos é uma posição tão vulnerável quanto segura. "É difícil cair quando se está de quatro", diz Jordi, sua leal melhor amiga. Para o equilíbrio, ela descobre, a reposição hormonal também ajuda.

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O feminismo em "De Quatro" é nítido, mas jamais óbvio: a narradora fantasia com abusos de um padrasto fictício, reconhece a própria repulsa por idosas e não está particularmente empenhada em combater certos comportamentos machistas. E, antes de entender no próprio espelho esse drama, julga como vaidosa e louca a decisão de uma avó e de um tia de cometerem suicídio quando se percebem não mais desejáveis.

A prosa de Miranda July é ágil e esperta, e quem leu os contos da autora já conhece as analogias inesperadas e a desafetação com que narra os gestos mais estapafúrdios, tornando-os naturais, como se fossem precisamente aquilo que o leitor ou leitora fariam em seu lugar. Publicar o vídeo de uma dança sensual como se fosse um convite trivial e irrecusável para um encontro? Por que não?

O estirão final da narrativa pode decepcionar quem pensa que boa literatura demanda desespero, drama ou frustração. July aposta suas fichas, sem cinismo, em uma conclusão redentora, quase mística. É um desfecho corajoso, perfeito para um romance que não se esquiva do que há de mais intenso e contraditório no desejo, esse solavanco que —ao invés do que os romances testosterônicos nos ensinaram— pode trazer, também, alegria.

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