Minuta do golpe é elo forte com Bolsonaro, mas PF tem conclusões com indícios parciais

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O relatório final da Polícia Federal tornado público na última terça-feira (26) traz fortes elementos de vinculação de Jair Bolsonaro (PL) com a chamada minuta do golpe, mas, em outros pontos, faz afirmações categóricas com base em indícios parciais e passíveis de maior questionamento.

O cenário apurado, reforçado por ações e declarações de Bolsonaro e dos próprios indiciados, aponta para uma inequívoca trama golpista no final de 2022. Apesar de a PF listar uma série de conclusões nas 884 páginas do documento, algumas ainda carecem de elementos substanciais —como a de que Bolsonaro sabia do plano para matar Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Veja, em alguns dos principais casos, o que há de indícios, o que diz a PF e eventuais lacunas:

Minuta do golpe


Travestido com ares de legalidade, o documento teve uma de suas versões apreendida na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres. Em suma, estabelecia medidas para anular o resultado da eleição de Lula e manter Bolsonaro no poder.

Em busca de apoio à empreitada, o então presidente apresentou o documento aos chefes das Forças Armadas em 7 de dezembro de 2022, de acordo com vários testemunhos, e, possivelmente, ao general Estevam Theophilo, comandante de Operações Terrestres do Exército, dois dias depois, em 9 de dezembro.

O documento golpista foi objeto ainda de nova reunião com os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, dessa vez conduzida pelo ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio, em 14 de dezembro.

De acordo com a PF, o general Freire Gomes (Exército) e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) não anuíram com o golpe. O almirante Almir Garnier Santos (Marinha), sim.

As provas apresentadas são os depoimentos de Freire Gomes, Baptista Junior e Mauro Cid (o então chefe da ajudância de ordens de Bolsonaro), além das próprias minutas de decreto e de mensagens apreendidas indicando que os comandantes do Exército e da Aeronáutica passaram a ser alvos de ataques nas redes por não concordarem com o plano golpista, enquanto o chefe da Marinha deveria ser elogiado.

O próprio ex-presidente disse em sua mais recente manifestação que estudou todas as medidas dentro da Constituição, o que nessa argumentação incluía, mesmo em um cenário de normalidade, ações de exceção como estado de defesa e de sítio.

O plano para matar Moraes, Lula e Alckmin


A PF afirma categoricamente que Bolsonaro sabia do plano "Punhal Verde Amarelo", criado no computador do general da reserva Mario Fernandes, então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência. O arquivo listava etapas, armamento e pessoal necessários para assassinar Moraes (não citado nominalmente), Jeca (Lula), Joca (Geraldo Alckmin) e Juca (não identificado pela PF).

A ligação a Bolsonaro se dá pelo fato de que, em 9 de novembro, 40 minutos após esse documento ter sido impresso no Palácio do Planalto, Fernandes se dirigiu ao Palácio da Alvorada. Em 9 de dezembro, um dia depois de ter estado no Alvorada, como atestam os registros oficiais, o general manda uma mensagem para Cid relatando que Bolsonaro "aceitou o 'nosso assessoramento'", ainda de acordo com a PF.

Neste mesmo dia 9, Bolsonaro rompeu o silêncio em que estava desde o resultado das eleições e, a apoiadores no Alvorada, fez um discurso dúbio, dizendo que é o povo "quem decide para onde vai as Forças Armadas" e declarou ainda que vivia-se "um momento crucial, uma encruzilhada".

Apesar dos indícios, não há outro elemento no relatório confirmando que o documento tenha sido discutido. O ex-presidente negou ciência. "Jamais. Dentro das quatro linhas não tem pena de morte", disse.

Cid também negou que ele mesmo ou Bolsonaro soubessem do plano para matar as autoridades. Ele disse a Moraes que Mario Fernandes era o aliado mais exaltado.

Braga Netto e o aval para o plano de assassinato

A Polícia Federal diz que o general Walter Braga Netto recebeu em seu apartamento, em Brasília, Cid e militares envolvidos no plano para matar Moraes em 12 de novembro de 2022. Apresenta como evidência mensagens trocadas entre os oficiais, registros de conexão dos celulares com antenas de telecomunicações e trechos da delação de Cid.

Segundo a PF, o encontro serviria para os militares apresentarem o plano de execução das autoridades ao ex-ministro e vice na chapa de Bolsonaro. Braga Netto, diz o relatório, concordou e mandou prosseguir.

Não há provas inquestionáveis nesse sentido. Cid nega que tenham sido discutidos planos de assassinato nesse encontro.

Não há também elementos no relatório que demonstrem que o "Punhal Verde Amarelo" tenha sido repassado para os militares golpistas antes desse encontro.

O principal achado, que faz a PF concluir que a reunião tratou do plano de golpe, são mensagens trocadas entre o major Rafael de Oliveira e Cid, em que o primeiro pede dinheiro. A PF afirma que isso visava colocar o plano em operação.

Monitoramento de Moraes

A PF apresentou diversos indícios que apontam a movimentação de militares no dia 15 de dezembro para prender, sequestrar ou assassinar Moraes.

Mas a polícia não conseguiu ainda identificar claramente todos os participantes da ação de campo, e há dúvida sobre por que e por ordem de quem o plano foi colocado em campo e, ao final, acabou abortado.

Em um primeiro momento, a PF indica que a operação pode não ter sido concluída devido ao término mais cedo da sessão do STF. Já no relatório final, afirma que a ação foi abortada também por não contar com o apoio do comandante do Exército, o general Freire Gomes.

Pela própria investigação da PF, a negativa do general em participar da trama golpista já havia ficado evidenciada desde pelo menos 7 de dezembro.

Monitoramento de Lula


A PF afirma ter havido monitoramento da chapa presidencial eleita.

Como prova, aponta que, por meio do sinal do telefone celular de dois dos investigados, foi possível saber que eles estiveram no final de novembro em uma região aproximada do hotel Meliá, onde era publicamente sabido que Lula estava hospedado.

Ocorre que o raio de alcance das ERBs (Estações Rádio Base) abrange uma ampla área da região central de Brasília, que inclui shoppings centers, escritórios e vários pontos comerciais. A PF não apresenta evidência de que o hotel seria o local preciso nesse raio de localização.

O outro ponto apresentado são mensagens do policial federal Wladimir Matos Soares, que participava da segurança do então presidente eleito. Apesar de o agente manifestar apoio ao plano golpista, não há nas mensagens indicação de que ele estaria participando do plano de assassinar Lula e Alckmin.

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