Até uns cinco anos atrás, Xanthia Walker raramente ia ao médico, mesmo quando precisava, porque não queria subir na balança. E, quando ia —para buscar alívio para a dor do ciático ou tomar antibióticos—, de alguma forma a conversa sempre acabava descambando para seu peso.
"Eu podia chegar reclamando de enxaqueca que a resposta seria: ‘Bom, se você emagrecesse um pouco ela provavelmente sumiria’".
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Isso mudou quando Walker, hoje com 40 anos e morando em Phoenix, descobriu uma médica nova: Natasha Bhuyan, que rejeita o que chama de modelo "pesocêntrico" de medicina, preferindo apostar em uma abordagem inclusiva, reconhecendo que as pessoas têm formas e volumes diferentes e que nem sempre os quilos preveem o estado de saúde correto.
"Na primeira consulta, faço questão de não pesar o paciente. Peço que se sente na sala de exames e só conversamos. É realmente uma mudança de paradigma. Se eu realmente achar necessário pesá-lo, sempre peço permissão primeiro", afirmou Bhuyan, vice-presidente de atendimento presencial e diretora médica nacional da One Medical, clínica de serviços básicos de saúde da Amazon.
Para muitos profissionais, esse método ainda é controverso; afinal, aprendem na faculdade que o peso é um dos sinais vitais, que deve ser verificado em toda consulta, como a pressão arterial – e vai contra a crença arraigada de que o paciente pode controlá-lo se a isso se dedicar.
Os críticos ressaltam que a obesidade é a principal preocupação nos EUA em matéria de saúde pública, levando ao surgimento do diabetes tipo 2 e da hipertensão e contribuindo para o desenvolvimento de doenças cardíacas e a ocorrência de AVCs e alguns tipos de câncer. Para eles, o médico deve priorizar o peso.
"Ignorar o que diz a balança é perder uma oportunidade importante. Eu poderia até entender uma iniciativa dessas há dez, 20 anos, mas hoje, quando temos tantas opções excelentes de tratamento, como os medicamentos novos de emagrecimento tão poderosos e a cirurgia bariátrica, por que fazer isso?", questionou Caroline M. Apovian, membro da diretoria do Centro para Controle de Peso e Bem-Estar do Brigham and Women's Hospital de Boston.
E prosseguiu: "No mínimo, o médico deve focar e tratar a obesidade do paciente antes que cause os problemas de saúde normalmente decorrentes. Se isso for feito em nível nacional, em longo prazo vai ser possível reduzir a incidência de todos eles".
Para Steven B. Heymsfield, professor de metabolismo e composição corpórea do Centro de Pesquisa Biomédica Pennington da Universidade Estadual da Louisiana, o peso é um sinal vital tão importante quanto a pressão arterial e a frequência respiratória.
"A menos que o paciente tenha algum tipo de fobia em relação a isso, do ponto de vista médico não faz sentido não o verificar", disse Heymsfield.
De acordo com Fatima Cody Stanford, especialista em obesidade da Faculdade de Medicina de Harvard, pedir permissão para pesar o paciente pode até implicar uma abordagem mais humanizada, mas é essencial que ele seja informado das opções que tem, incluindo estratégias de controle, e que essas conversas sempre envolvam empatia e apoio.
Já os profissionais que defendem a abolição da rotina de aferição acham que a relação entre o excesso de peso e os problemas crônicos de saúde são exacerbados ao longo do treinamento. Para eles, dizer que o paciente está gordo é quase garantia de vê-lo fugir de algum tipo de tratamento, sem contar que pouco fará para melhorar sua condição.
Além disso, as pesquisas mostram que a manutenção do peso ideal não é uma questão de força de vontade, já que também é resultado da genética, das experiências da primeira infância e de outros fatores socioambientais. Medicamentos novos, como o Ozempic, estão contrariando a visão médica tradicional ao demonstrar que a biologia pode valer mais que a determinação.
"O check-up anual é a oportunidade não só de conferir o peso do paciente, mas também de observar se há flutuações para mais ou para menos. Uma alteração significativa pode indicar algum déficit nutricional, transtorno endocrinológico ou malignidade. Fazer dessa avaliação uma rotina a cada consulta é ruim; alguns médicos já estão evitando isso, e espero que um dia seja unânime", declarou Alexa Mieses Malchuk, representante da Academia Norte-Americana de Médicos de Família.
A Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA começou a recomendar o exame do paciente para sinais de obesidade em 2012, afirmando que quem tem um IMC (índice de massa corpórea) de 30 ou mais deve ser submetido a "intervenções comportamentais intensivas e multicomponentes". Entretanto, a entidade, que se orgulha de estipular diretrizes baseadas em comprovação, na época reconheceu que não havia muitas provas de seu impacto na saúde em longo prazo. Mesmo assim, o acompanhamento se tornou quase sagrado para a prática.
Sempre houve médicos que defendem o princípio da saúde e do bem-estar sem foco no peso, mas de uns tempos para cá diversos hospitais e entidades aboliram o hábito da subida na balança rotineira em todas as consultas para os adultos, com exceção das grávidas.
Uma delas é o One Medical, que tem mais de 200 unidades espalhadas pelos EUA. "Na verdade, seu aplicativo foi desenvolvido de tal forma que pode esconder o peso se a pessoa não quiser vê-lo. As alterações recentes foram motivadas em parte por um volume muito grande de pesquisas que indica que a pesagem rotineira estimula o constrangimento de muitos pacientes, aumentando a probabilidade de evitarem essas situações", disse Bhuyan.
Uma das primeiras análises desse tipo, feita em 2006, acompanhou quase 500 mulheres brancas e negras para saber até que ponto evitavam os exames para detecção das variedades ginecológicas de câncer. Publicada pelo "International Journal of Obesity", ela mostrou que, em relação às mulheres com sobrepeso, a atitude era mais recorrente entre as obesas, apesar do risco aumentado associado com o excesso de peso – e, quanto maior o excedente, maior a probabilidade de o comportamento se confirmar.
Como justificativa, confessaram o constrangimento de subir na balança, apontaram a atitude negativa do profissional em relação a elas e a grande probabilidade de receberem conselhos não solicitados para emagrecer.
Um estudo mais recente com 384 mulheres, publicado em 2023 pelo "Annals of Family Medicine", revelou que quase um terço das participantes confessou ter se recusado a subir na balança por causa do impacto negativo resultante em suas emoções, sua autoestima e/ou sua saúde mental.
"O pessoal está evitando ir ao médico para driblar a aferição por vários motivos; simplesmente não quer ver o número. E muitas vezes está perdendo a chance de começar um tratamento que lhe salve a vida só porque não quer saber quanto pesa", resumiu Ginny Ramseyer Winter, autora do estudo em questão e professora-associada da Universidade de Minnesota.
O setor de medicina da família do Centro Médico da Universidade de Rochester, em Nova York, que atende mais de 26 mil pacientes, recentemente aboliu a pesagem rotineira, e, segundo Holly A. Russell, professora-associada da matéria na instituição, a nova medida inspirou uma conscientização para efetuar o procedimento.
"Não é que tenhamos parado de verificar o peso dos pacientes, mas já não o fazemos apenas por fazer. Só medimos a saturação se houver queixa de falta de ar, e agora só verificamos o peso se a preocupação ou o problema tiver relação com ele. Mas o mais importante é que o paciente agora tem poder de decisão. Prefere não passar por esse crivo, mas o que vale mesmo é ter ou não escolha. Acho que se sente um tantinho empoderado numa questão em que sempre se sentiu de mãos atadas".
E completou: "Para dar uma ideia, durante as discussões na universidade sobre a adoção da medida, muitos médicos confessaram estar adiando o próprio check-up anual para conseguirem emagrecer um pouco antes".
"Esse paciente sabe que é gordo, não precisa ouvir isso de outra pessoa. Tem dificuldade para comprar roupa, para caber no assento do avião, para encaixar o aparelho de medição de pressão no pulso... Certamente não preciso lhe dizer", disse Emily A. Gordon, internista do Rutgers Health e professora assistente da faculdade de medicina Rutgers-Nova Jersey.
"Embora o emagrecimento muitas vezes melhore problemas como o diabetes tipo 2, a hipertensão e o colesterol alto, há outras soluções que também ajudam, como redução do estresse, melhora do sono, acesso a áreas verdes. Não adianta focar só o peso, cujo controle não depende cem por cento do paciente; é, no mínimo, falta de visão", acrescentou Gordon.