Luto não é processo linear e muda funcionamento do cérebro, diz pesquisadora

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"Pare os relógios, cale o telefone", começa o poema "Funeral Blues", de W.H. Auden. "Evite o latido do cão com um osso/Emudeça o piano e que o tambor surdo anuncie a vinda do caixão, seguida pelo cortejo." Os versos fúnebres do poeta americano se tornaram símbolo da aflição e da perda de sentido que acompanha a morte.

As imagens que ele descreve –de que nada mais importa e de que o mundo deve se calar diante da finitude– traduzem o sentimento de luto, descrito pela psicóloga americana Mary Frances O’Connor como uma resposta natural à perda.

O’Connor, autora de "O Cérebro de Luto", leciona na Universidade do Arizona (EUA), onde comanda um centro dedicado ao estudo do luto. Ainda na adolescência, a mãe da autora foi diagnosticada com um câncer avançado e a família viveu anos sob a penumbra de que teriam pouco tempo.

A professora define luto de forma bem específica. Antes, diz que "perda é a palavra que se usa para descrever a experiência de não ter mais alguém".

Luto, por outro lado, "é a resposta à perda". E, diz ela, traz uma série de sentimentos como ansiedade, tristeza, raiva, saudade e um fluxo de pensamentos que relembra a pessoa perdida frequentemente e questiona como aquela morte poderia ter sido evitada.

Esse turbilhão de emoções e ideias, diz O’Connor, trazem impactos físicos: aumento da pressão sanguínea, dificuldade para dormir e perda de apetite.

"O luto é uma resposta complexa à perda e envolve mudanças emocionais, cognitivas, comportamentais e psicológicas", diz a professora. Não deveria surpreender, portanto, que muitas partes do cérebro estejam envolvidas nisso.

A surpresa, para a psicóloga, é a descoberta que o sistema de recompensas do cérebro faz parte desse processo.

Esse é o conjunto de estruturas cerebrais, distribuídas pelo órgão, que lidam com neurotransmissores associados ao prazer e sentimentos positivos. No caso do luto, segundo O’Connor, o córtex orbitofrontal e o núcleo accumbens são duas regiões do cérebro afetadas.

"Nossos vínculos com quem amamos são, a princípio, codificados no sistema de recompensas. Por isso, a falta que sentimos tem relação com a atividade cerebral nesse lugar", diz O’Connor.

São descobertas que podem ajudar com distúrbios associados com o luto duradouro —que pode se tornar um distúrbio psíquico, quando a pessoa se vê incapaz de ter um cotidiano normal depois de uma morte.

O momento inicial da perda, segundo a psicóloga, é uma onda arrebatadora. "Pode nos surpreender com sua ferocidade e estranhamento." O sentimento perdura e, diz O’Connor, transmuta em luto, um processo que atravessa o tempo.

"É a forma como o sentimento de pesar muda com o tempo, sem ir embora, quando descobrimos que devemos carregá-lo enquanto retornamos a uma vida com significado", diz. "É um processo sem fim."

Esqueça o clichê dos cinco estágios do luto. Segundo a psicóloga, é um modelo que não se usa mais para entender essa trajetória. "Dados sugerem que a aceitação aumenta gradualmente no decorrer do tempo, mas não é um processo linear."

Mesmo com uma melhora geral ao longo do tempo, há dias bons e dias ruins. As festas de fim de ano e os aniversários de morte tendem a envolver uma dor mais aguda, ela diz. De modo geral, mesmo com momentos piores, "construímos uma vida que inclui o luto e a realidade da perda, mesmo amando outras pessoas, sentindo amor e orgulho e investindo em atividades significativas".

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Isso porque O’Connor vê no luto um processo de aprendizagem –que acontece em diversos níveis. Desde o mais básico, como quando pessoas enlutadas precisam reaprender pequenos hábitos antes feitos em conjunto.

"Toda vez que você cozinha uma refeição e não precisa automaticamente levar em consideração as preferências do seu filho, ou toda vez que você pega o telefone para ligar para sua mãe com as novidades do dia", diz O’Connor, "cada uma dessas coisas é aprender a não levar em consideração a outra pessoa no plano terreno".

Segundo a psicóloga, o cérebro está se esforçando para entender cada situação em que uma pessoa deveria estar ali, mas não está, e se ajusta a essa nova realidade. "É como um computador que atualiza um programa no pano de fundo. Pode ser difícil digitar uma palavra em um arquivo enquanto isso. De forma similar, o cérebro está distraído quando tentamos fazer tarefas, sejam simples ou complexas."

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