Mais de 3 milhões de anos após sua morte, a antepassada humana conhecida como Lucy ainda está revelando seus segredos.
Em 2016, uma autópsia indicou que a fêmea de Australopithecus afarensis, cujos restos parciais foram encontrados na Etiópia em 1974 e é considerada o fóssil de hominídeo mais completo encontrado até hoje, morreu após cair de uma árvore.
Sete anos depois, uma reconstrução virtual de seus músculos da perna e pélvicos —que não são preservados em fósseis— revelou que ela tinha em torno de 1,10 metro de altura, pesava até cerca de 40 quilos e era capaz de ficar em pé e andar ereta, semelhante aos humanos modernos.
Um novo estudo, publicado em janeiro deste ano na revista Current Biology, propõe que Lucy também era capaz de correr. Mas ela não teria sido uma maratonista e poderia ter dificuldade para acompanhar um sedentário contemporâneo em uma corrida de 90 metros.
"Ela não era uma corredora natural", disse Karl Bates, 38, pesquisador de biomecânica evolutiva na Universidade de Liverpool e autor principal do artigo. "Com toda a probabilidade, ela só poderia correr por meio de explosões curtas de energia em vez de perseguições de longa distância."
O fóssil, que data de 3,2 milhões de anos atrás e representa 40% do esqueleto de Lucy, é frequentemente descrito como tendo uma mistura de características humanas e de macacos.
"O tamanho geral do corpo dela era muito menor que o nosso e seu tronco maior, com braços mais longos e pernas mais curtas", afirmou Bates. "Mesmo após a correção das diferenças no tamanho do corpo, ela teria sido muito mais lenta do que as pessoas."
As conclusões de sua equipe fortalecem a hipótese de que a capacidade dos humanos de correr longas distâncias é uma adaptação que lhes deu uma vantagem na aquisição de presas.
A análise foi feita a partir de simulações de movimento baseadas em computador dos músculos da perna de Lucy. O modelo utilizou a área superficial de seus ossos e a arquitetura muscular dos macacos modernos para estimar sua massa muscular.
"O simulador experimenta milhões e milhões de sequências diferentes até encontrar aquela que leva à maior velocidade com o mínimo custo de energia", explicou Bates. Os pesquisadores compararam as performances de Lucy com as de um modelo digital de um humano moderno cujas medidas se baseiam nas de Bates, de 1,75 metro de altura e 70 quilos.
"As comparações entre humanos e Lucy com as mesmas propriedades musculares nos permitiram dar uma espécie de estimativa de velocidade máxima e mínima para Lucy", afirmou o pesquisador. "Também nos permitiu comparar os efeitos que características anatômicas importantes na evolução humana tiveram na velocidade de corrida."
A estimativa para a velocidade máxima de corrida de Lucy —com configurações musculares semelhantes às humanas— foi de modestos 18 km/h. Isso é aproximadamente o que um porco doméstico poderia alcançar em 400 metros, mas muito mais lento do que os humanos modernos, cujas velocidades de corrida muitas vezes excedem 29 km/h atingem mais de 40 km/h em atletas de elite. Bates estimou que em uma corrida de 100 metros, Usain Bolt, o recordista mundial nessa distância, teria vencido Lucy em algum lugar entre 50 e 80 metros.
Homo erectus, o primeiro dos nossos parentes com proporções corporais semelhantes às humanas, evoluiu na África cerca de 1,9 milhão de anos atrás. A espécie era uma corredora de resistência, construída para perseguir presas nas savanas abertas da África.
Fósseis de Australopithecus afarensis são tipicamente encontrados em áreas que eram principalmente florestas com trechos de pastagens. Construída para curtas distâncias, Lucy teria dependido de estratégias diferentes de caça, como subir em árvores.
"No geral, os hominídeos estavam vivendo em lugares com muitas árvores, arbustos e matagais", disse a paleontóloga Denise Su, do Instituto de Origens Humanas em Tempe, Arizona. "Em habitats mais fechados, algumas espécies de presas tendem a se esconder e congelar como resposta porque há muito mais cobertura, e você não pode correr rápido em paisagens com muita cobertura."
Sem os tendões de Aquiles longos e elásticos e fibras musculares mais curtas presentes nas pernas dos humanos contemporâneos, Lucy teria que trabalhar mais para se mover rapidamente. O benefício do tendão, que conecta os músculos da panturrilha ao osso do calcanhar, é que ele age como uma mola gigante, armazenando e liberando energia enquanto estamos em movimento e produzindo uma passada de corrida eficiente. O tendão de Aquiles em um macaco é pouco mais que um toco.
Quando músculos semelhantes aos tornozelos humanos foram adicionados à estrutura de Lucy, a quantidade de energia que ela gastava era comparável à de outros animais de estatura semelhante. Mas, se fossem adicionados músculos semelhantes aos tornozelos de primatas, ela teria gasto três vezes mais energia correndo do que um humano moderno.
"Neste ponto de nossa evolução, éramos apenas macacos bípedes correndo pelo cenário", disse Su. "Dadas as espécies de habitats em que nossos primeiros ancestrais viveram, esse estudo sugere que a capacidade de correr rápido não era uma adaptação importante para a sobrevivência de Lucy".