A reportagem teve acesso com exclusividade a cerca de 4.200 registros, manuscritos em 381 páginas, de pessoas que passaram por essa portaria exclusiva. As informações se referem ao período entre janeiro e novembro de 2023 e foram originalmente obtidas pela organização especializada em transparência pública Fiquem Sabendo, por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Para filtrar os nomes, a reportagem contou com a parceria da Human Rights Watch, responsável pela digitalização e organização dos arquivos. Acesse a lista escrita à mão, ou então os dados digitalizados.
A Repórter Brasil mapeou o top 10 dos visitantes que mais utilizaram a portaria privativa do Ministério da Agricultura. Mais da metade das 108 entradas realizadas por esse grupo tinha como destino os gabinetes do ministro Carlos Fávaro (PSD) e do secretário-executivo da pasta, Irajá Rezende de Lacerda. Apenas 7 dos 108 compromissos aparecem nas agendas do ministro e de seus subordinados.
Além dos sócios da Action, o top 10 conta ainda com um empresário com interesses na Ferrogrão — projeto de linha de trem de 933 km que pretende ligar municípios produtores de soja e milho em Mato Grosso a portos fluviais no Pará — e nomes ligados a importantes associações do agronegócio.
"Esse é um cenário muito grave", afirma Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil. Segundo ela, a Lei de Conflito de Interesses e o decreto federal que a regulamenta obrigam o registro dessas entradas no e-agendas, sistema eletrônico do Poder Executivo.
Ainda de acordo com Atoji, a falta de informações pode atrapalhar a descoberta de eventuais favorecimentos a grupos com acesso privilegiado a pessoas com poder de decisão em órgãos públicos.
Embora entrar no órgão não seja ilegal, acessar repetidamente o prédio por uma entrada exclusiva pode indicar quem influencia os rumos do agronegócio no Brasil, avalia Bruno Morassutti, advogado da Fiquem Sabendo.
Quanto mais próximo você está do ministro, mais valorizado é seu passe.
Bruno Morassutti, advogado da Fiquem Sabendo
Procurado, o Ministério da Agricultura apontou "falhas humanas" e "equívocos dos colaboradores" como motivo para não haver informações nas planilhas à mão sobre o destino dos convidados no ministério. "As orientações para anotar os registros tanto na portaria principal e privativa são repassadas aos funcionários durante o treinamento inicial e em reciclagens".
A pasta, porém, não explicou por que os nomes não aparecem na agenda oficial dos servidores.
Lobby entre 'amigos'
A lista é encabeçada por dois sócios da Action: Gustavo Carneiro e João Henrique Hummel. Eles somam 14 e 12 visitas pela portaria privativa, respectivamente. Assim como o ministro Fávaro, Hummel é um dos fundadores da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), braço institucional da chamada "bancada ruralista". A FPA é a maior e mais influente força do Congresso, com 340 parlamentares.
Ele também foi responsável pela criação do IPA (Instituto Pensar Agropecuária), em 2011. O think tank presta assessoria técnica à bancada ruralista e conta com o investimento de 57 organizações do agronegócio. Em 2018, Hummel fundou a consultoria Action.
Carneiro também já ocupou cargo no IPA, como diretor-geral. Hoje ele também é consultor da Aprosmat (Associação de Produtores de Sementes de Mato Grosso).
Apesar de ser uma figura frequente no Ministério da Agricultura, o nome de Hummel aparece em apenas uma agenda oficial. Em 20 de junho de 2023, ele se encontrou com o ministro para discutir o Plano Nacional do Biodiesel — Hummel também é diretor-executivo da FPBio (Frente Parlamentar Mista do Biodiesel). Neste dia, porém, não há registro da entrada do lobista.
"Você não visita seus amigos?", respondeu Hummel, após ser questionado pela reportagem sobre as visitas.
Hummel já foi também assessor especial no Ministério da Agricultura durante o primeiro e o segundo mandatos do presidente Lula. Porém, conflitos de interesse o levaram a perder o posto.
Isso ocorreu após o lobista assumir, em 2005, o cargo de consultor da Aprosoja-MT, uma das maiores associações dos produtores de soja do país. Três anos depois, o então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, considerou que Hummel utilizava-se do cargo para benefício próprio, dentre outras infrações, e destituiu-o do cargo.
Questionado pela reportagem, Hummel afirmou que esteve no Ministério da Agricultura na maior parte das vezes em nome da FPBio e que mal tem contato com o ministro. "Só para você ter uma ideia, eu não falo com o Fávaro tem anos", alegou.
Poder da bancada ruralista
Outro convidado assíduo na lista revela a proximidade da cúpula do ministério com a Action e o Instituto Pensar Agropecuária. Eduardo Lourenço, consultor tributário do IPA, usou a portaria privativa em nove ocasiões. Apenas uma aparece em agenda oficial.
Lourenço é sócio da Maneira Advogados, cliente da Action, e também é advogado da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).
Seu nome aparece como representante da Unem em duas reuniões com Fávaro, segundo a agenda oficial do ministro. Porém, nesses dias não há registros de sua entrada nas portarias.
A Unem tem entre os seus membros a Aprosoja-MT, a Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo) e a Aprosmat, da qual Gustavo Carneiro é consultor. A Aprosmat já teve como presidente o atual assessor especial do Mapa, Carlos Ernesto Augustin.
Outro representante do agro no top 10 é Ronaldo Troncha, presidente executivo da Abrasem (Associação Brasileira de Sementes e Mudas). Ele entrou nove vezes pela portaria privativa. Apenas duas visitas aparecem em agendas oficiais.
Troncha disse, por meio da assessoria, que os encontros se deram "com servidores relacionados a áreas do ministério que tratam de temas afeitos aos interesses da Abrasem". Lourenço foi procurado, mas não respondeu.
O empresário e engenheiro Guilherme Quintella entrou 12 vezes no ministério e também figura na lista dos mais assíduos da porta privativa.
Ele é CEO da EDLP (Estação da Luz Participações). A empresa é responsável pela elaboração do projeto da Ferrogrão, linha de trem de 933 km que pretende ligar Sinop (MT) a Itaituba (PA) para escoar os grãos colhidos em Mato Grosso, maior produtor de soja do país.
O projeto é um dos mais cobiçados pelo agronegócio, mas enfrenta resistência por causa dos possíveis impactos a áreas de preservação ambiental, terras indígenas e comunidades tradicionais.
Nenhuma das 12 entradas de Quintella aparece em agendas oficiais do ministério. Mas, segundo os registros feitos à mão, em seis ocasiões o destino foi o gabinete do ministro, marcado pela sigla "GM".
Procurado pela reportagem, Quintella não respondeu aos questionamentos. A reportagem será atualizada caso um posicionamento seja enviado.
Veja quem mais acessou o Ministério da Agricultura em 2023 no site da Repórter Brasil.