Desde que anunciou a inauguração de seu clube do livro, o influenciador Felipe Neto não parou de fazer ações ruidosas nas redes sociais, envolvendo tirar fotos fúnebres para homenagear "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, e se vestir de inseto para celebrar Franz Kafka.
Deu certo, tanto que a página do clube tinha mais de 160 mil seguidores antes mesmo de ele anunciar o primeiro livro que o grupo leria —o que foi feito, com igual espalhafato, na última quinta-feira. De lá para cá, os exemplares de "Fahrenheit 451", clássico de Ray Bradbury escolhido para a estreia, se esgotaram no estoque da Amazon.
Segundo a gigante de vendas virtuais e a editora Biblioteca Azul, o romance distópico sobre um governo totalitário que condena livros à fogueira —inspiração, aliás, de um novo ensaio piromaníaco do youtuber— teve uma explosão de vendas.
Os leitores compraram na Amazon, de quinta-feira até a última segunda, 355% mais cópias de "Fahrenheit 451" que em todo o mês de junho. A editora contabilizou 5.500 exemplares vendidos nesse intervalo, entre a versão regular e a de capa dura.
Em entrevista, o influenciador diz que sua meta é, acima de tudo, aumentar o consumo de livros no Brasil.
"Vou cada vez mais destinar meus recursos e tempo para projetos que me façam sentir contribuindo de forma positiva para a sociedade", diz o influenciador, sem ignorar o aspecto empresarial da empreitada, que lembra o "império literário" erguido pela atriz Reese Witherspoon nos Estados Unidos.
Para ingressar no clube, você tem que pagar R$ 499 por ano ou R$ 62 por mês para ter acesso a lives e conteúdos exclusivos que ajudam a acompanhar a leitura —mas não ganha acesso ao livro, que precisa ser comprado por fora. É claro que também dá para seguir de graça as escolhas do clube, que serão públicas.
O influenciador cita um levantamento da consultoria Nielsen, do final de 2023, que mostrou que 84% dos brasileiros não havia comprado nenhum livro nos 12 meses anteriores.
"Desse jeito, como esperar uma conscientização social? Isso nunca vai vir enquanto a sociedade estiver distante da leitura. Ler é um ato de rebeldia, de se descolar da possibilidade de ser massa de manobra, seja de que lado for. Então incentivar a leitura é incentivar a sociedade a ser mais independente."
A mesma pesquisa identificou no preço dos livros o principal impeditivo para o hábito da leitura, segundo os entrevistados. O youtuber fez no ano passado uma reclamação pública de bastante repercussão sobre como os livros andariam caros, "um item da elite", e divulgou agora, junto com a escolha de "Fahrenheit 451", um link com cupom promocional na Amazon, que se esgotou em horas.
"Isso foi muito ruim, porque o livro cresceu muito de valor e a quantidade de compras [nas livrarias parceiras da] Amazon despencou", afirma ele, citando que o livro foi de um preço de cerca de R$ 30, com frete grátis, para R$ 50 mais o frete. "O que eu recebi de relatos de pessoas que foram à livraria física e estava esgotado... Perdemos muito da venda por impulso."
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Da próxima vez, o influenciador pretende usar o caso de alerta para que os responsáveis se atentem ao estoque antes do anúncio —aliás, ele diz que os livros serão escolhidos tateando qual o melhor passo a seguir com o leitorado, que já tem mais de 5.300 assinantes.
É importante, segundo ele, que sejam obras acessíveis a novos leitores em formação. "Não pode ser um livro extremamente robusto, complexo, nessa primeira fase. Não vamos botar um José de Alencar, que é uma leitura mais densa. Tem que ser algo lido por um jovem de 15 anos e por um adulto de 70."
Além disso, afirma não ter "nenhuma necessidade de agradar uma editora ou outra". "E não vou aceitar dinheiro para escolher o livro. O 'Fahrenheit' eu nem sabia qual era a editora."
Com isso, deixa claro como o clube é desvinculado de sua nova casa, a Companhia das Letras, que lança seu livro "Como Enfrentar o Ódio" em setembro e também coleciona cifras impressionantes com mais de 10 mil exemplares vendidos num recorde de pré-venda.
A obra vai contar a última década da política brasileira pelo olhar de Neto, cobrindo "essa onda de ódio que foi moldando a sociedade brasileira para chegar a essa insanidade que a gente viveu e ainda vive".
São passos mais decididos do influenciador como voz engajada, de intervenção pública, o que não quer dizer que ele pense em se candidatar ou influir direto na política institucional.
"Quero apenas contribuir para que o progressismo avance", afirma, acrescentando que hoje assuntos que deveriam ser tratados de maneira profissional são abordados "com base na fé, no conservadorismo, no moralismo, na contramão do que dizem os estudiosos".
Para dissipar essa "cortina de mentiras", segundo Felipe Neto, nada melhor que um bom livro.