Após quase dois anos de publicação da Lei da Igualdade Salarial —em julho de 2023—, a medida ainda é questionada na Justiça por empresas e trabalhadoras.
Duas ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) aguardam julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), mas não há data para decisão sobre o caso.
Segundo a legislação, duas vezes ao ano, as empresas devem preencher o relatório de igualdade salarial e enviá-lo ao Ministério do Trabalho e Emprego.
O primeiro prazo de 2025 vence nesta sexta-feira (28). Depois, em março, empresas e governo devem tornar públicos esses dados. Em setembro, há uma nova rodada de publicações.
Os números divulgados no ano passado mostram que a desigualdade salarial entre homens e mulheres cresceu no Brasil, e chegou a 20,7% em setembro de 2024 ante 19,4% em março do mesmo ano. Ou seja, as mulheres ganhavam 79,3% do salário dos homens na mesma função.
Trabalhadoras têm exigido na Justiça o mesmo salário. Já as empresas contestam a divulgação de dados internos e temem exposição e danos à sua reputação.
Segundo a advogada Isabella Magano, sócia do Pipek Advogados, muitas empresas obtiveram liminares, afastando a obrigatoriedade de publicar o relatório. Essas decisões ainda estão em vigor, e o Judiciário ainda não tem uma posição definitiva firmada sobre o tema.
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Para ela, a insegurança das companhias gira em torno dos parâmetros utilizados pelo governo para publicar o relatório. "O MTE se baseia em dados da Classificação Brasileira de Ocupações [CBO], o que pode não refletir a realidade e as especificidades de cada empresa", diz.
A falta de publicação do relatório pode levar a empresa a ser multada. O valor é de 3% sobre a folha de salários, limitada a cem salários mínimos, o que dá R$ 151,8 mil. Se constatada a desigualdade salarial, a empresa poderá ainda ser multada em dez vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado.
A punição pode dobrar em caso de reincidência. "Além disso, a empresa pode ser condenada ao pagamento das diferenças salariais e reflexos, bem como danos morais", diz ela.
Érika Seddon, sócia de trabalhista do Mattos Filho, afirma que a Justiça já foi mais sensível ao tema, e as empresas também já tiveram mais insegurança.
"A nossa visão é que, em março de 2024, existia uma maior sensibilidade por parte da Justiça ao apelo das empresas para a não publicação do relatório, quando havia um maior temor dos danos reputacionais que as empresas poderia sofrer em relação aos dados. Com o aprendizado e o desenvolvimento do tema, nos parece que a Justiça está menos sensível a esse apelo."
Segundo ela, há duas ADIs no STF sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, mas não há data perspectivas de que sejam julgadas neste ano, já que a pauta do Supremo tem temas relevantes, como a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Érika diz que, embora o MTE não tenha começado a multar as empresas, já está enviado comunicações eletrônicas para as companhias a respeito da necessidade de cumprir a lei, lembrando do dever de publicar o relatório, da multa e da garantia da igualdade salarial.
"Isso nos dá a impressão de que a fiscalização está para começar", afirma.
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No STF, as confederações que entraram com as ADIs questionam a constitucionalidade da medida, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de plano para igualar os salários.
"No que diz respeito ao artigo 5º da lei nº 14.611/2023, que determina a apresentação do plano de ação nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, as requerentes afirmam ser inconstitucional a imposição de elaboração do referido plano sem que o empregador possa exercer previamente o seu direito de defesa", diz documento no Supremo.
Para a PGR (Procuradoria-Geral da República), que representa o governo na Justiça, o tema deve ser tratado o quanto antes, de forma a diminuir as diferenças salariais entre gêneros.
Relatório citado pelo órgão mostra que seriam necessários 131 anos para alcançar a paridade salarial entre homens e mulheres no mundo e, que, por isso, o tema tem relevância e deve ser tratado com agilidade.
"Demonstrando o intento de corrigir tais distorções, o Brasil ratificou diversos instrumentos internacionais que reforçam o compromisso do país em garantir a equidade salarial", afirma o AGU (advogado-geral da União), Jorge Messias.
"Por tudo que se vem de expor, conclui-se que a lei nº 14.611/2023 não somente é compatível com a Constituição Federal como representa um importante instrumento para efetivar direitos já previstos na lei maior e na CLT", diz Messias na defesa apresentada no STF.
Como deve ser o relatório
O relatório das empresas deve conter o cargo ou a ocupação específica conforme a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), com as respectivas atribuições e o valor da remuneração, que inclui:
- Salário contratual
- Décimo terceiro salário
- Gratificações
- Comissões
- Horas extras
- Adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, entre outros
- Terço de férias
- Aviso-prévio trabalhado
- Valor relativo ao descanso semanal remunerado
- Gorjetas
- Outras parcelas de remuneração, se houver