No ano em que comemora quatro décadas de história, o Rock in Rio chegou ao fim de sua décima edição, neste domingo, 22, com uma conclusão —a de que perdeu a capacidade de ser, no Brasil, uma vitrine do que há de mais importante na música popular ao redor do mundo.
Se em 1985 trouxe uma amostra relevante do que havia de mais quente na música gringa, hoje virou ponto de encontro das melhores atrações de uma década atrás. Não é exatamente uma boa notícia, mas pode dar pistas ao festival de como garantir sua longevidade.
Esta edição teve entre os headliners Katy Perry, Shawn Mendes, Imagine Dragons e Ed Sheeran, nenhum deles em seu auge. Em 2024, o Rock in Rio só foi capaz de capturar o espírito do tempo em seus shows principais com o trapper Travis Scott —não à toa um dos melhores do evento.
É uma capacidade que vem diminuindo com o tempo. Há dois anos, o festival trouxe uma Dua Lipa em uma das turnês mais faladas do mundo na época, e um Justin Bieber com o cachê mais alto da história do Rock in Rio. A primeira prateleira do pop —gente como Taylor Swift, The Weeknd e Harry Styles— prefere tocar sozinha, em estádios, com domínio sobre produção, estrutura cênica e bilheteria.
São reflexos também das mudanças no consumo e comercialização da música, o que afeta diretamente o Rock in Rio. Quando o festival foi criado, praticamente qualquer show internacional já chegava no Brasil carregado de urgência e ineditismo de uma era pré-redes sociais.
Diante desse cenário, o Rock in Rio tenta se virar. Uma das apostas de renovação foi o "Dia Brasil", no sábado, 21, o único dos sete dias a não ter os ingressos esgotados. A programação aglomerou grandes nomes da música nacional em shows bagunçados e estendeu para todo o festival a proposta de encontros que é tradicional do palco Sunset.
Foi uma espécie de playlistização das apresentações —toca-se o que é mais conhecido, corta-se o que não tem tanto apelo, criando uma fragmentação máxima.
Quando é bem ensaiado, pode dar certo. O samba atraiu uma multidão por ter sido, na prática, um show de Zeca Pagodinho e convidados. O rap teve momentos interessantes de interação entre cantores, assim como o pop.
Mas em maioria esse amontoado de artistas pareceu uma zona. Os shows de trap, MPB e rock foram truncados, com pausas que cortaram a fluência das performances, fora o desencontro de cantores com bandas que não eram as suas. Não à toa os problemas técnicos protagonizaram o dia e todos os shows atrasaram mais de uma hora.
Ainda assim, a prioridade na música nacional mostrou caminhos possíveis. Para quem é daqui, o chamado para tocar no Rock in Rio é tratado como uma convocação para a Seleção Brasileira. Se tornar a maior vitrine da produção do país não é pouca coisa, e é um trunfo que —se bem aproveitado— pode render bons frutos ao evento e aos artistas.
Outra aposta que se provou acertada foi o "Dia Delas", na sexta-feira, 20, que beirou o tokenismo ao prometer escalar apenas artistas mulheres, mas incluir em palcos menores três shows comandados por homens, com elas apenas como convidadas —uma espécie de inclusão de fachada.
Apesar do deslize, a obrigação de uma curadoria com recorte pareceu tirar os produtores da zona de conforto que impera há anos no festival. Bandas lideradas por homens que costumam se repetir nas edições deram lugar a apresentações vigorosas de mulheres consagradas como Cyndi Lauper e boas novidades como a colombiana Karol G.
Do lado brasileiro, Ivete Sangalo manteve sua tradição de shows certeiros, criando o momento mais marcante do festival ao voar sobre a plateia enquanto cantava. A escalação feminina se refletiu no público, mais diverso e responsivo que o usual com a renovação dos ares.
O mesmo aconteceu no dia não oficial do trap, que baixou drasticamente a idade média do evento reunindo atrações com capacidade de arrastar multidões, como Matuê, Orochi e Cabelinho, e traduziu um dos movimentos musicais mais populares do país —e do Rio de Janeiro— no momento.
A aguardada estreia do sertanejo também foi marcante, mais pelo diagnóstico do poder que artistas do gênero têm do que pelo show em si. Tocada por Chitãozinho e Xororó, a apresentação sofreu com o cancelamento de última hora da presença de Luan Santana.
As participações de Simone Mendes e Ana Castela em hits delas e da dupla foram os momentos mais celebrados do show —ainda que breves, já que elas deixaram o festival às pressas para cumprir suas agendas em outras cidades.
Foi o bastante para reforçar a ideia de que a abertura para ritmos populares brasileiros, como o sertanejo, o samba, o trap e o funk, é um filão que demorou a ser explorado.
O sertanejo e o samba, em especial, provaram que as atrações do Rock in Rio não precisam necessariamente ser recentes para serem atuais. Qualquer novidade, mesmo uma dupla sertaneja criada antes de o festival nascer, serve para oxigenar o evento e torná-lo mais interessante.
Com tudo isso, o Rock in Rio segue sendo um evento sustentado mais pela marca do que pelo lineup, o que sem dúvidas impacta em seu formato. Há dias, como os encabeçados por Imagine Dragons e Ed Sheeran, que o Parque Olímpico vira um shopping em que a música é plano de fundo para estandes publicitários e atrações de parque de diversões, frequentado por gente que tem interesse mínimo nos palcos e que conversa durante os shows.
O Rock in Rio vira uma opção desejada de passeio também pela boa experiência em termos de estrutura. Quase não há filas, os banheiros são bons e a qualidade dos serviços se sobressai em relação a qualquer outro grande evento feito no Brasil.
Essa força da marca gera ainda um apelo curioso ao gênero que batiza o festival. Com shows prestigiados de Avenged Sevenfold, Evanescence e Deep Purple, o dia dedicado ao rock mostrou que, apesar de haver espaço para renovação e variedade, as pessoas ainda buscam o estilo neste ambiente. Mesmo em plena madrugada e num show zoneado, a plateia participativa do show do rock do "Dia Brasil" foi a maior prova disso.
Entre as lições para este Rock in Rio em transformação, não há dúvidas de que a música brasileira pode ter mais espaço e prestígio, mas isso só vale se ela for melhor tratada. Não é só juntando nomes famosos que se faz um bom show, nem dando um banho de orquestra em ritmos tradicionais brasileiros como o sertanejo e o funk.
Se em 40 anos o Rock in Rio conseguiu estabelecer uma marca tão sólida, ao ponto de não depender da escalação musical para seguir reinando, certamente há ainda mais espaço para se arriscar na curadoria. Mais do que nunca, um futuro que não perca de vista a tradição da qual o festival tanto se orgulha parece mais fácil de se enxergar.
Os jornalistas viajaram a convite da Natura