Ele criou as guitarras de algumas das canções mais amadas da história do metal. Mas não só. Na Califórnia dos anos 1980, seu estilo superveloz de tocar o instrumento ajudou a forjar um novo gênero de música pesada, o thrash metal, uma variante mais rápida e agressiva do heavy metal que trazia letras sobre as mazelas do mundo a um estilo acostumado a tratar de mitologia.
Kerry King, fundador e ex-guitarrista do Slayer, uma figura inconfundível com sua longa barba, tatuagem de chama cobrindo o braço e a inseparável guitarra modelo "flying V" que leva aos palcos, é um ponto de referência na história do metal. Ele já fez muito fã bater cabelo em mais de 40 anos de serviços prestados à música pesada.
"Nós aceleramos tudo, fizemos os vocais mais rápidos. Nós inserimos a ideia punk [no metal]", diz o guitarrista, ao comentar, numa entrevista num hotel em São Paulo, o papel do Slayer na evolução da música pesada, junto a outras bandas lendárias como Metallica, Megadeth e Anthrax, as quatro principais do thrash metal. "Todos nós ajustamos [o metal] do nosso jeito, mas éramos todos muito parecidos."
King já havia deixado sua marca na história da música quando o Slayer fez sua turnê de despedida, em 2019 —que passou pelo Brasil—, mas ele não cogitou parar de tocar. Logo após saber que o Slayer ia terminar graças a um desejo do ex-vocalista Tom Araya, o guitarrista conta que imediatamente começou a pensar em sua nova banda. A ideia era lançar um disco em 2020, mas a pandemia atrasou os planos.
Chamada apenas Kerry King, a nova empreitada do músico finalmente lançou seu álbum de estreia, "From Hell I Rise", ou do inferno eu me levanto, em maio de 2024. São 46 minutos de fúria que dão continuidade à porradaria sonora de sua ex-banda, o que levou o disco a entrar em listas de melhores do ano da imprensa especializada.
No início do próximo mês, o disco será apresentado em São Paulo, num show da banda no festival Bangers Open Air, que acontece de 2 a 4 de maio, no Memorial da América Latina. O Bangers Open Air é o novo nome do festival Summer Breeze Brasil, dedicado ao heavy metal e suas variantes, agora na terceira edição no país.
Sem nunca tirar seus óculos escuros Rick Owens que cobrem os olhos e as laterais das têmporas, King conta que a apresentação na capital paulista terá 13 ou 14 músicas e duração de uma hora. A maior parte do repertório será de faixas de sua banda nova, mas alguns clássicos do Slayer também farão parte.
Fãs animados não devem faltar. De acordo com o Spotify, o Brasil é, atualmente, o terceiro maior mercado para a nova banda de Kerry King na plataforma de streaming, atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha, respectivamente. Em março, São Paulo foi a cidade número um do mundo em número de ouvintes do grupo no Spotify.
King afirma que "From Hell I Rise" teria sido um álbum do Slayer caso o grupo não tivesse encerrado as atividades. "Não, eu nunca quis terminar com o Slayer. Eu estaria para sempre com a banda", diz ele, sem titubear.
Parte das faixas de "From Hell I Rise" já havia sido composta pelo guitarrista para o último disco do Slayer, "Repentless", de 2015, então é natural a continuidade entre seus trabalhos. Da ex-banda ele trouxe para a nova o baterista Paul Bostaph, mas Kerry King, o conjunto, é uma entidade diferente, o que fica claro, sobretudo, no estilo vocal de Mark Osegueda, marcadamente distinto de Tom Araya, do Slayer.
King está na lista de músicos preferidos de muito metaleiro por ter criado, junto ao guitarrista Jeff Hanneman, os riffs de guitarra de clássicos do Slayer como "Reign in Blood" e "South of Heaven". Depois de tantas décadas com a mesma banda, como é recomeçar em outra?
"A principal diferença é que estou no ramo há 40 anos e é absolutamente um recomeço, mas tenho um pouco de 'hype' com o meu nome. Então, não é exatamente um recomeço", ele diz, acrescentando que seu status o permitiu escolher os membros da sua nova banda. Além dele, Paul Bostaph e Mark Osegueda, o grupo tem Kyle Sanders no baixo e Phil Demmel na guitarra.
Como dono de um grupo recém-formado, King diz que se dá um pouquinho mais de liberdade criativa —cerca de 5%—, do que tinha no Slayer, mas ressalta que o quinteto é um coletivo e ele consulta os outros integrantes sobre as suas ideias. Ele conta que não necessariamente vai tentar fazer algo diferente nas músicas em relação ao que faz, mas está aberto a novidades se elas surgirem na hora de compor.
"Há coisas que eu nunca teria feito no Slayer. Por exemplo, 'Two Fists', minha canção de tributo ao punk dos anos 1980. Eu queria que a letra fosse como a de um cantor punk que a inventou nos anos 1980 e quando a música começa ela diz 'este navio está prestes a afundar, acho que preciso de mais um drink'. Eu nunca teria dito isso [no Slayer]. Mas, neste contexto, é perfeito."
No ano passado, o Slayer voltou a tocar ao vivo, em shows esporádicos, cinco anos depois do fim anunciado da banda. Há concertos marcados para 2025, mas o Brasil não aparece na lista. King afirma que o retorno tem sido bom para ele e para os fãs, sobretudo para os mais novos, que ainda não tinham idade para ver o grupo ao vivo em 2019, na turnê de despedida.
Não há planos de músicas novas do Slayer, ele conta, porque sua energia está totalmente voltada para o seu novo grupo. Há faixas sobrando das sessões do primeiro disco que ele deve usar para o próximo álbum, que já tem cerca de dez músicas em construção e deve ser gravado até o início de 2026 para ser lançado meses mais tarde.
Neste ano, o Bangers Open Air retorna ao Memorial da América Latina para três dias de shows. O festival traz nomes clássicos do heavy metal e do hard rock, a exemplo de Blind Guardian, Sabaton e Wasp, e artistas relevantes no cenário brasileiro de música pesada, como o trio antirracista Black Pantera e o Viper, que comemora 40 anos de estrada.