Em "A Mulher de Dois Esqueletos", uma mulher se divide entre a criação de arte e a decisão sobre ter filhos —reflexo de uma escritora em dúvida.
Os capítulos do romance intercalam as ambições da narradora com passagens de contos que ela escreve, refletindo suas angústias. "É uma criação dentro da criação", conta a autora Julia Dantas.
Dantas começou a desenvolver o livro durante a pandemia. Entre sua preocupação com o mundo e a finalização de seu doutorado, escrever era sua ferramenta de sobrevivência. Um modo de exercer a criatividade sem amarras, moldes ou prazos.
"A Mulher de Dois Esqueletos" é um exercício de imaginação em que, se comparando com a personagem, Dantas tenta resolver uma questão pessoal –ser ou não ser mãe.
"Tem pessoas que desde sempre sabem que querem, pessoas que desde muito cedo sabem que não querem, e eu me incluo no grupo da dúvida", conta a escritora. "Mas pouco se fala sobre afinal o que causa a dúvida".
Tanto protagonista quanto autora se preocupam com a maneira como o fazer artístico pode ser afetado pela criação de filhos. "Escrever requer roubar tempo só para si, mas o quanto disso é compatível com ter um filho que também demanda muito tempo?"
São atividades criativas, segundo ela, que se assemelham por serem valorizadas no discurso da sociedade enquanto, na prática, levam ao isolamento. "Depois que a mulher tem o filho, a sociedade dá as costas. Já na arte, as pessoas adoram a música e os filmes, mas grande parte das pessoas detesta os artistas".
Tudo a Ler
Receba no seu email uma seleção com lançamentos, clássicos e curiosidades literárias
Para a autora, uma das passagens mais difíceis de escrever foi o capítulo "Quarenta", em que ela lista 40 medos e desejos da possível maternidade. Essa é a parte mais biográfica do livro e fez Dantas questionar se deveria publicá-la.
Mas o capítulo foi mantido no livro pela convicção de que muitas mulheres vão se enxergar nesses medos. "Se eu quero chegar a uma obra de arte honesta e genuína, tem um grau de exposição do qual é difícil fugir", afirma Dantas.
Dantas terminou o livro decepcionada por ainda não conseguir a resposta se quer ter filhos ou não, mas aprendeu que ao escolher um caminho estará abrindo mão de outro. "Seja o que eu vier a escolher, sei que por meio da arte vou poder viver outras vidas."
E ela também escreve para organizar o que viveu. Nascida em Porto Alegre e residente da capital gaúcha, Dantas teve sua casa inundada e escreveu para lidar com a tragédia. "Estou sempre escrevendo", conta a autora. "Com as enchentes no Rio Grande do Sul escrevi coisas porque a minha casa foi inundada, e aí entrei na linha não ficcional".
Em um de seus relatos sobre as enchentes, anotou: "colocar coisas em palavras é um dos meus poucos talentos e tem sido meu método mais confiável de sobrevivência".
A escrita é seu método de viver. Para Dantas e sua protagonista, a arte é um meio de lidar com o que escapa à racionalidade.