O sucesso invejável da China em usar políticas industriais para expandir sua economia e financiar a fabricação verde ajudou a iniciar uma acirrada disputa entre as nações para desenvolver e proteger seus próprios negócios locais.
Passaram-se 40 anos desde que essas ansiedades competitivas sobre um poder asiático em ascensão provocaram esse tipo de abraço à intervenção governamental entre as maiores economias de livre mercado.
Naquela época, era o Japão, não a China, que era fonte de inquietação.
O thriller de 1992 de Michael Crichton, "Sol Nascente", com sua sombria representação dos implacáveis guerreiros econômicos do Japão, dominava as listas de best-sellers, ao lado de títulos de não ficção que alertavam sobre o gigante financeiro e tecnológico criado pelo poderoso ministério do comércio do governo japonês.
Em uma pesquisa de 1990, quase dois terços dos americanos afirmaram que o investimento japonês nos Estados Unidos representava uma ameaça à independência econômica americana.
Aconteceu que a ansiedade sobre o Japão Inc. atingiu o pico exatamente quando o país iniciou um longo declínio econômico após o colapso das bolhas imobiliária e do mercado de ações.
Agora, após um período de estagnação que o Ministério da Economia do Japão se refere como "as três décadas perdidas", Tóquio está envolvido em uma política industrial de vários bilhões de dólares para impulsionar a economia sem brilho e recuperar sua posição como inovador em tecnologia.
Desta vez, o Japão está trabalhando com líderes de tecnologia nos Estados Unidos e em outros países –uma abordagem colaborativa que décadas atrás teria sido impensável.
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Mas mesmo enquanto Tóquio está buscando políticas menos voltadas para dentro, a tempestade política sobre uma aquisição liderada pelo Japão da U.S. Steel ilustra como os Estados Unidos estão cada vez mais se movendo para proteger outras indústrias-chave da influência estrangeira.
O foco da política industrial de Tóquio hoje está em formas avançadas de tecnologias que vão de baterias a paineis solares, mas a prioridade é recuperar uma parcela maior da indústria global de semicondutores, para a qual o governo japonês reservou mais de US$ 27 bilhões nos últimos três anos.
"No futuro, o mundo será dividido em dois grupos: aqueles que podem fornecer semicondutores e aqueles que apenas os recebem", disse Akira Amari, um alto funcionário do partido governante do Japão que anteriormente liderou o Ministério da Economia, Comércio e Indústria. "Esses são os vencedores e os perdedores."
Com base nas lições aprendidas ao longo das últimas décadas, o Japão está experimentando um novo plano quando se trata de chips, disse Amari: "Agora, estamos colaborando com parceiros internacionais desde o início."
Embora outras nações estejam gastando centenas de bilhões de dólares para obter uma vantagem, os esforços do Japão se destacam por sua história de usar políticas industriais para se desenvolver rapidamente após a Segunda Guerra Mundial.
"Não precisa começar do zero", disse Alessio Terzi, economista da Comissão Europeia. "Isso já é algo que o diferencia de outros países."
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O centro da nova iniciativa industrial do Japão está tomando forma em um canteiro de obras de um ano em Hokkaido, sua ilha mais ao norte. A área é mais conhecida por suas pistas de esqui com neve champagne no inverno, tapetes exuberantes de flores no verão e fontes termais vulcânicas.
Através de pastagens abertas e não muito longe do aeroporto de Chitose está o esboço da nova fábrica de semicondutores da Rapidus Corp., ainda cercada por um exoesqueleto expansivo de andaimes prateados.
A fábrica, financiada em parte por bilhões de dólares do governo, está sendo desenvolvida por uma colaboração incomum entre a Rapidus, uma startup japonesa de chips, e a empresa de tecnologia americana IBM. Ela produzirá os chamados chips de 2 nanômetros, uma tecnologia em que a IBM é pioneira em seu laboratório em Albany, Nova York.
A ideia para a parceria foi concebida no verão de 2020 com uma ligação para Tetsuro Higashi, presidente da Rapidus, de um amigo, John E. Kelly III, um executivo de longa data da IBM.
"Pensei que talvez ele estivesse apenas ligando para conversar", disse Higashi, 75.
Ele não estava. Kelly explicou que a IBM estava desenvolvendo uma nova geração de chips e queria produzi-los no Japão.
Higashi logo determinou que nenhuma empresa no Japão era capaz de produzir em massa esse tipo de chip lógico avançado. A seu ver, ele disse, era um momento de agora ou nunca.
"Eu sabia que se recusasse a ligação da IBM neste momento, não haveria nada avançando", disse Higashi. O Japão, uma vez o principal fabricante de semicondutores do mundo, viu sua participação de mercado cair de mais de metade nos anos 1980 para menos de 10%. Sem ação, Higashi disse, "o Japão apenas cairia cada vez mais atrás em nossas tecnologias."
O próximo passo de Higashi foi entrar em contato com Amari, a pessoa responsável do governo pela política industrial.
Era um bom momento para pedir ajuda ao governo japonês para construir uma fábrica. Escassez relacionada à pandemia, desde chips de computador até sriracha, e os crescentes custos de energia decorrentes da invasão da Rússia à Ucrânia, têm reorientado a atenção em Tóquio e capitais ao redor do mundo para a importância de cadeias de suprimento resilientes e seguras.
A Rapidus receberá tecnologia da IBM para seus semicondutores de alta performance e enviou centenas de engenheiros para a instalação de pesquisa da IBM em Albany para ajudar a desenvolver tecnologias para a produção em massa dos chips.
O governo está apoiando tanto grandes apostas como a Rapidus quanto as menores.
O Japão atraiu a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co., o gigante da fabricação de chips, para construir uma fábrica na cidade sulista de Kikuyo com investimento de players domésticos, incluindo a Sony. A fábrica, financiada em parte pelo governo, foi inaugurada em fevereiro.
"Sem intervenção do governo, os inúmeros projetos atualmente em andamento no Japão provavelmente não teriam se materializado", observou uma conferência no Centro de Estudos de Política Asiática da Brookings Institution em sua conclusão nesta primavera.
Há céticos no Japão. A fábrica da Rapidus tem sido criticada por seu cronograma ambicioso e sua incapacidade de atrair mais investimento do setor privado.
Mas Amari argumenta que não há alternativa.
"Não investir em semicondutores agora significa que você estará no grupo dos perdedores desde o início", disse ele. "O Japão nunca escolherá isso."