"Jandira - Em Busca do Bonde Perdido", é relato autobiográfico bem-humorado e poético sobre a finitude

há 4 semanas 2

Termina neste fim de semana a temporada de "Jandira – Em Busca do Bonde Perdido", um relato autobiográfico bem-humorado e poético sobre a tomada de consciência da finitude. O espetáculo está em cartaz no Tucarena até domingo (8).

A peça escrita por Jandira Martini marca um momento profundamente significativo na carreira da atriz e dramaturga, sendo seu último texto para teatro escrito antes de seu falecimento em janeiro de 2024. Trata-se de uma obra que traz reflexões pessoais, memórias e questionamentos existenciais, que ganham vida por meio da interpretação da atriz Isabel Teixeira, escolha que só reforça o poder emocional e artístico deste relato.

No texto, Martini construiu um diálogo íntimo com seu passado e suas inquietações sobre tempo, memória e identidade. O título, com sua alusão ao "bonde perdido", dá uma sensação de nostalgia, remetendo a uma busca por algo essencial que parece ter ficado para trás — seja uma oportunidade, um sonho ou uma versão de si mesma. O "bonde" não é apenas um símbolo de deslocamento, mas também de conexão com os ritmos e espaços da vida que, muitas vezes, escorregam por entre os dedos.

A dramaturgia transita entre o autobiográfico e o universal. Jandira apresenta fragmentos de sua trajetória pessoal e profissional, mas os expande para dialogar com o público, transformando questões individuais em reflexões coletivas. É uma obra que questiona como nos refazemos diante das perdas e do inexorável passar do tempo, mas também celebra o legado deixado por aqueles que vivem de maneira autêntica e apaixonada.

Isabel Teixeira transforma essa dramaturgia em uma experiência sensorial, quase tátil, que consegue criar uma ponte entre a plateia e a alma de Jandira Martini. Sua performance intensifica o impacto emocional do texto, levando o público a rir, se emocionar e se colocar dentro das questões que a autora coloca em sua narrativa.

Três perguntas para…

… Isabel Teixeira

Como foi trabalhar em parceria com o Marcos Caruso nesse projeto sabendo que ele e Jandira Martini eram amigos muito próximos?

É uma alegria participar disso. Duas pessoas tão importantes para mim no meu aprendizado teatral. Eu sempre os observei. Eu estou no meio dessa celebração onde a escrita cênica do Caruso se encontra com a escrita dramatúrgica da Jandira. Eu também possuo uma escrita do meu corpo em cena, da minha voz. O teatro, para mim, se trama nessas dramaturgias expandidas. Existe uma escrita do gesto, da luz, da roupa. Acho que estamos ali celebrando essa escrita. Não conheci pessoalmente a Jandira. Então, o Caruso foi me apresentando a Jandira que ele conheceu. E ele a conheceu muito bem.

Ouço muitas vezes, de pessoas que a foram próximas dela, que, de alguma maneira, tem um harmônico da personalidade dela ali em cena. Nunca foi nossa intenção, do Caruso principalmente, em mimetizar a Jandira em cena. A gente usou como norte o texto. Então, muitas vezes, eu falo como ela fala porque o texto foi ela que escreveu.

Li em uma entrevista sua que você acha interessante atravessar as palavras do autor, ser afetada por elas e transformar em algo que seja verdadeiramente seu? Isso aconteceu também em "Jandira"?

Eu acho que a palavra do autor tem que, de alguma maneira, estar em mim, como se eu estivesse dizendo aquilo pela primeira vez. O texto está ali, mas o jeito que eu faço também é uma maneira de escrever este texto no ar da cena. O espectador também é um dramaturgo, porque ele faz as suas sinapses a partir de sua própria experiência e reflete a partir de si sobre o texto que ele está lendo. Então acredito muito que o trabalho seja realmente trazer esse texto para mim. Estou honrando a palavra da Jandira, eu não mudo o texto, eu tento trazê-lo para a minha boca e para o meu coração ao mesmo tempo. Então, claro que ele se torna meu de alguma maneira, mas não de minha autoria. Sou cocriadora ali do movimento na cena, mas uso como norte a palavra escrita pelo autor, pela autora, no caso.

Nos momentos difíceis os atores sempre "pedem socorro" aos deuses da escrita, como Shakespeare, Molière, Wilde…?

Eu sempre me volto para o Hamlet, por exemplo, para o Shakespeare, assim como a Jandira. A Jandira traz o Molière, o Shakespeare, o Machado de Assis, imagina! Palavra, palavra... Para mim, aqui no meu ateliê, na minha editora, estou rodeada de palavras e, sim, sempre para os clássicos a gente pede socorro. Nem acho que é socorro. Para mim, não é ajuda que peço para os clássicos, não. Acho que faz parte da minha formação, sabe? Eu penso no Tchekhov, no Beckett, no Shakespeare. Quando estou perdida, quando perco um pouco o chão, principalmente.

A gente sempre vai voltar para o Molière, a gente sempre vai voltar para o Tchekhov, porque é palavra viva em movimento. Eu ainda tenho muito a descobrir nesses autores porque acredito que ainda tenho muito a descobrir sobre a vida. Não que eles soubessem tudo, mas a escrita é viva, vai além dos seus autores. Tchekhov faz parte da minha formação celular. E é engraçado porque tenho uma mistura de Tchekhov com Beckett na minha formação, então, fica uma coisa bem louca. Mas essas palavras que perduram e que faço vivas no meu presente, compõem o meu porto seguro, para onde eu volto, onde eu crio raiz, onde eu finquei minhas raízes. É mais aberto que um pedido de socorro. É um reconhecimento da existência mesmo. Então pode até ser um pedido de socorro, não é? Porque, às vezes, quando a gente se perde, é muito bom ter para onde voltar.


Teatro Tucarena – r. Bartira, 347. Perdizes, região oeste. Sex. às 21h, sáb. às 19h e dom.às 17h. A partir de R$50 em sympla.com.br

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