Ivete Sangalo não gostava de postar imagens de seus filhos novos nas redes sociais, mas em março de 2018 abriu uma exceção. Marcelo, então com nove anos, pediu à mãe que mostrasse um vídeo dele tocando a bateria da música "Pesadão", o primeiro hit de Iza, para a cantora. "Mãezinha orgulhosa desse cara!", ela publicou.
Desde então, as duas estabeleceram uma relação de amizade e de admiração mútua que chega ao ápice com o show conjunto que elas vão fazer em São Paulo neste fim de semana. Juntas no palco, elas são as atrações principais do domingo (13) no festival Tim Music, no Parque do Ibirapuera, logo após Ferrugem com Criolo. No sábado (12), Mano Brown divide os microfones com Rashid, e Ludmilla recebe Martinho da Vila.
Mas não será a primeira vez que elas trabalharão juntas. Depois de ver Marcelo tocando sua música no Instagram, a então iniciante Iza não pensou duas vezes antes de chamar Ivete para cantar em seu primeiro álbum, "Dona de Mim", de 2018. "Pensei assim, essa mulher já sabe quem eu sou, ela postou o vídeo, não custa nada tentar jogar um verde, vai que ela topa. Ela topou e foi muito incrível", ela diz.
Ivete participou de "Corda Bamba", uma das últimas faixas que Iza preparou para o disco, coleção de faixas influenciadas por várias vertentes da música negra —americana e brasileira— sob verniz pop, que apresentou a cantora ao grande público. No ano seguinte, as duas se reencontraram como juradas do programa "The Voice", reality show de música que era exibido na TV Globo.
Foi nos bastidores do programa, diz Iza, que as duas se aproximaram. "Aprendi muito. Eu perguntava as coisas. ‘Como é que tu faz isso aqui?’ ‘O que tu faria nessa situação?’ A Ivete é muito sem merdinha, sabe? Tem um papo muito reto. Se você perguntar, ela vai te falar: ‘Minha filha, você tá viajando’. Ou então: ‘Pronto, Iza, isso é massa’."
A baiana, que despontou como cantora da Banda Eva, no auge do axé dos anos 1990, se viu no espelho da carioca —que chamou a atenção das grandes gravadoras cantando covers no YouTube. "O processo de Iza é muito avassalador", ela diz. "Ela vem de uma geração em que o tempo é de uma velocidade muito grande. Esse tempo cronológico do sucesso não corresponde ao tempo de maturação dessa ideia."
É um processo diferente da geração de Ivete, ainda analógica. "Fiz vários shows na Banda Eva, pegamos primeiro o Nordeste e, à medida que íamos entrando no Sudeste, tive um tempo para compreender que estava me tornando uma cantora, que eu tinha fãs, tinha um show, um palco, um empresário —o negócio do entretenimento."
Musicalmente, a conexão entre as cantoras se desenvolveu através do reggae —presente na obra das duas. Elas cantaram juntas "Vamos Fugir" no The Voice, e a performance se desenrolou em "Salve Baby", música de Ivete com participação de Iza que cita a de Gilberto Gil, gravada na pandemia e lançada em 2022. A canção do tropicalista é presença certa no repertório delas no show em São Paulo.
"As referências do som dela são muito baseadas nas claves do reggae e das misturas que vêm a partir dele", diz Ivete. "Uma delas é a música baiana, que tem o samba-reggae. São claves, digamos assim, da mesma família. São parentes, musicalmente falando."
Outro ponto de encontro das duas é a música soul —base da sonoridade de Iza, e também bastante presente na obra de Ivete, que tornou "Coleção", música de Cassiano, um hit. "Essa onda está impregnada na minha música desde sempre —na concepção dos arranjos, especialmente quando a gente vai conceber coisas ao vivo. Sou uma cantora que, embora goste muito do estúdio, cresço muito no show. A Iza também é esse tipo de cantora."
A carioca conta que as maiores lições que aprendeu da baiana foram exatamente sobre como se portar no palco. "Ela é uma MC, uma mestre de cerimônias", afirma. "Está ali sempre usando palavras de ordem, tem essa coisa da comunicação, de estar falando com as pessoas, ser iluminadora da coisa. Para isso acontecer, você tem que estar entregue, tem que ser humilde, estar conectado com a sua banda e pronto para ser invadida pelo que o povo vai te dar. Por que cada show é de um jeito."
Foi no palco que elas protagonizaram um dos momentos mais marcantes do último Rock in Rio, no passado. Iza recebeu Ivete no show em que cantou grávida de oito meses —algo que a baiana já tinha feito, inclusive em cima do trio elétrico. "Ivete tem que ser copiada e repetida, né", diz a carioca. "O corpo [grávido] fica diferente, a voz fica diferente, o olhar das pessoas é diferente."
Para Ivete, é importante que mulheres como ela e Iza, cantoras populares, desmistifiquem a posição da mulher grávida. "Acho muito legal esse lado lúdico que existe a respeito de nós, artistas, sobre as nossas vidas —toda uma especulação de sonho, de projeção, cria-se um imaginário. A gravidez, exposta em show, humaniza a gente. Estamos grávidas como todas as mulheres. Vivi, grávida, situações muito engraçadas. Eu não conseguia respirar direito e a plateia compreendia isso."
No festival Tim Music, em vez de se reunirem para duas ou três músicas, elas vão unir as bandas e cantar o tempo todo juntas. Afinal, é no palco que elas se encontram. "Vamos emaranhar nossos repertórios, vai haver ali uma coerência, uma combinação tanto de hits quanto de andamentos, de percepções de arranjos, em que as músicas se encontram", diz Ivete. "O ao vivo é a soma de todas as coisas que a gente enumerou aqui —e isso tudo somado é nitroglicerina pura."