Imposto de Renda mínimo deve pegar quem tem alta renda de dividendo e não recebe salário

há 1 dia 5

O imposto mínimo sobre a renda das pessoas físicas deve alcançar principalmente contribuintes que não têm nenhum trabalho assalariado e recebem muitos dividendos, pagos por empresas com um nível de tributação muito baixo. Por exemplo, pessoas de altíssima renda que recebem lucros de empresas do Simples Nacional.

Essa é a avaliação da coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, Vanessa Rahal Canado, que foi assessora do Ministério da Economia para reforma tributária.

Batizado pelo governo federal como IRPFM (Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas Mínimo), esse tributo adicional visa compensar a isenção para quem recebe até R$ 5.000, promessa de campanha do governo Lula (PT). A medida tem como alvo 141,4 mil pessoas físicas que recolhem, em média, uma alíquota efetiva de 2,5% sobre seus rendimentos.

Canado afirma que o projeto é positivo do ponto de vista da justiça social e representa um primeiro passo para discutir uma tributação mais ampla da distribuição de dividendos no Brasil.

Ela diz lamentar, no entanto, que o governo não tenha proposto também a tributação de investimento isentos, como cédulas e letras de crédito do agronegócio e imobiliárias (LCI, LCA, CRI e CRA), e de verbas indenizatórias, como aquelas que permitem pagamentos acima do teto do funcionalismo para membros do Judiciário e do Ministério Público.

"É uma boa estratégia inicial para desmistificar essa questão da isenção dos dividendos das micro e pequenas empresas. Mas por que tirar outras rendas isentas injustamente não tributadas?", questiona a tributarista.

Folha Mercado

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Canado também aponta que a solução encontrada representa um aumento da complexidade das regras do Imposto de Renda e vai demandar mais trabalho por parte da Receita Federal, que terá de pagar mais restituições e combater tentativas de distribuição disfarçada de lucros, como o uso do dinheiro da empresa para pagar despesas pessoais.

O economista Sergio Gobetti, autor de estudo sobre a distribuição de dividendos aos chamados "milionários do Simples", afirma que a proposta é boa como uma medida inicial para combater distorções que fazem com que o trabalho assalariado seja muito mais tributado do que as rendas do capital no Brasil.

Ele afirma, no entanto, que o governo não deveria abandonar a ideia de um projeto mais estruturante de tributação de dividendos.

"Como aperitivo é bom, mas não dá para ser o prato principal", afirma Gobetti. "Você pode implementar um imposto mínimo, mas eu não descartaria uma reforma ampla."

Ele destaca o modelo utilizado em países como Canadá, México, Chile e Austrália, que prevê a tributação do lucro tanto na pessoa jurídica como na distribuição para o sócio pessoa física, sendo que a primeira cobrança gera um crédito para abatimento do imposto a ser pago na segunda etapa.

Gobetti avalia que os números divulgados pelo governo embutem a possibilidade de uma queda de 50% no pagamento de dividendos por parte das empresas após a aprovação da medida e também alerta para a necessidade de se combater a distribuição disfarçada de lucros.

RETENÇÃO NA FONTE

Entre as medidas anunciadas nesta terça (18) está a retenção na fonte de 10% sobre dividendos pagos por empresas a pessoas físicas quando esse valor superar R$ 50 mil por mês.

A taxação vai alcançar também os investidores estrangeiros que recebem dividendos de empresas brasileiras. Para eles, não haverá valor mínimo para a retenção do imposto na fonte, que será feita mesmo quando a distribuição dos valores for feita a outras pessoas jurídicas.

A cobrança sobre os estrangeiros no momento da remessa dos dividendos ao exterior busca evitar o risco de os acionistas das empresas mudarem de domicílio para fugir da tributação no Brasil, segundo técnicos da Receita Federal.

Hoje, aproximadamente R$ 850 bilhões são de dividendos recebidos por residentes no Brasil e R$ 200 bilhões enviados para o exterior.

O projeto foi enviado ao Congresso Nacional já nesta terça. Se o texto for aprovado ainda neste ano, a retenção na fonte já começa a ser feita em 2026.

A alíquota sobre os dividendos vinha sendo calculada em 7,5%, mas a proposta final trouxe uma cobrança maior, indicando que o governo possui uma gordura para negociar essa medida com o Congresso Nacional, que já indica ter resistências à medida.

Com a retenção do imposto, o governo espera arrecadar R$ 34,12 bilhões em 2026. Desse montante, R$ 25,22 bilhões virão da cobrança na fonte sobre dividendos de contribuintes brasileiros e R$ 8,9 bilhões serão arrecadados sobre a remessa de dividendos ao exterior.

O valor total é maior do que a perda de arrecadação com a isenção até R$ 5.000, mas, segundo o governo, isso acontece porque uma parte do que for arrecadado será devolvida aos contribuintes no ano seguinte —nos casos em que a alíquota efetiva já supere os 10% do imposto mínimo e a retenção tenha, portanto, representado uma cobrança em excesso.

É um mecanismo semelhante ao que já existe hoje no IRPF: quem recolheu a mais na fonte tem direito à restituição no ano seguinte.

Pelo projeto do governo, se um contribuinte é sócio de mais de uma empresa, ele será tributado na fonte caso os dividendos distribuídos por cada uma delas superar os R$ 50 mil. Se ele receber R$ 40 mil de cada companhia, não haverá retenção em nenhum dos pagamentos.

O modelo é similar, na prática, com o que já ocorre com os rendimentos dos salários. Há o recolhimento na fonte (da renda do salário) e, no ano seguinte, o contribuinte faz a declaração de ajuste anual com imposto a pagar ou a restituir.

Colaboraram Adriana Fernandes, Catia Seabra e Idiana Tomazelli

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