Ainda no rescaldo dos confrontos que marcaram o mais recente protesto no Congresso da Argentina, o governo de Javier Milei encampou nesta segunda-feira (17) uma controversa medida: propôs um projeto de lei para criminalizar as torcidas organizadas de futebol.
A apresentação do projeto contra as chamadas "barra bravas" ficou a cargo da ministra da Segurança, Patricia Bullrich, um dos principais nomes dessa administração. O projeto busca classificar as torcidas como um tipo de associação ilícita (grupo de três ou mais pessoas destinado a cometer delitos, segundo o Código Penal).
O objetivo final é agravar as penas para os envolvidos. A lei local prevê de cinco a até 20 anos de prisão a pena para aqueles que fizerem parte de uma associação cujo objetivo seja "aterrorizar a população ou obrigar o governo a realizar um ato ou se abster de realizá-lo".
A tentativa da gestão Milei ocorre após algumas das torcidas nacionais manifestarem apoio e participarem da tradicional marcha feita pelos aposentados, sempre às quartas-feiras. O último ato, no dia 12, teve confrontos, ao menos uma pessoa ferida gravemente (o fotojornalista Pablo Grillo, 35) e mais de cem pessoas detidas.
Muitos críticos das ações de Milei argumentam que a convocação para o protesto e para a incitação à violência não partiu necessariamente do comando das torcidas, mas de torcedores específicos, mais envolvidos com a militância política. Para o governo, não coube o discernimento.
Uma investigação do jornal La Nacion mapeou que os torcedores que estavam presentes na manifestação não eram do alto escalão das torcidas organizadas nem tinham protagonismo. Eram pessoas que ocupam funções marginais nas organizações e papéis secundários.
Enquanto isso, o governo afirma que essas pessoas compareceram ao ato em coordenação com dirigentes da esquerda regional com o propósito de causar desordem.
Ainda segundo anunciou a ministra Bullrich, a apelidada "Lei Anti-Barras" vai estabelecer uma responsabilização criminal de dirigentes dos clubes de futebol que colaborarem com as torcidas organizadas de alguma maneira. Bullrich diz que o fornecimento de ônibus para as torcidas ou a ajuda financeira entrariam na tipificação dessa colaboração.
Há ainda um terceiro elemento na leiL pleiteado pela Casa Rosada: o impedimento de que pessoas que respondem a qualquer acusação judicial relacionada a violência possam entrar em estádios de futebol. Já nesta segunda-feira a pasta da Segurança publicou no Boletim Oficial (versão argentina do Diário Oficial) um decreto para proibir 26 pessoas que diz ser membros de torcidas organizadas de entrar nos estádios.
Os 26 são parte do grupo que foi acusado na última sexta-feira (14) também pelo ministério comandado por Patricia Bullrich do crime de sedição (insurreição) por participar do protesto da última quarta-feira.
Horas antes de fazer o anúncio sobre a proposta de lei, o governo também formalizou uma denúncia contra a juíza que na semana passada liberou os 114 detidos pelos policiais durante o protesto. A Casa Rosada a acusa de prevaricação (dar resoluções contrárias à lei), cuja pena é a inabilitação perpétua para exercer a profissão.
Como a reportagem detalhou, a juíza de primeira instância Karina Giselle Andrade disse em sua resolução que os detidos haviam sido enviados às dezenas para a delegacia, sem especificação do que cada um teria feito e onde havia sido preso. Da forma como as prisões foram operadas e apresentadas, disse ela no mesmo tempo, o caso corria o risco de ferir o direito ao protesto e à liberdade de expressão. Os detidos foram liberados cerca de seis horas após serem apreendidos.
Quatro pessoas, porém, seguiram presas, ainda que delas se fale menos. Uma porque tinha uma ordem de captura, e as outras três porque foram detidas portando armas. Agora o governo de Milei diz que Andrade agiu com fins políticos e ideológicos, e apoiadores da gestão afirmam que a magistrada pertenceria ao La Cámpora, agrupação militante ligada ao kirchnerismo, o que Andrade nega.
Algumas das torcidas organizadas possuem um histórico de violência na Argentina, como por exemplo na cidade de Rosário, a terra natal dos astros do futebol Lionel Messi e Ángel Di María, onde as relações entre o narcotráfico, as torcidas e a violência são notoriamente conhecidas.
Nesta quarta-feira (19), um novo protesto foi convocado em Buenos Aires.