Um dia após a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, deixar o Brasil fora do lançamento de sua plataforma de inteligência artificial, o Ministério da Justiça de Ricardo Lewandowski disse lamentar que a empresa "opte por retaliar usuários brasileiros e não usar os meios regulares para contestar a Senacon [Secretaria Nacional do Consumidor]".
O Brasil, diferentemente de outros países latinos, ficou sem acesso à Meta AI, que oferece um chatbot à la ChatGPT e serviços de geração de imagem dentro de Instagram, Facebook e WhatsApp.
A big tech, que citou "incertezas regulatórias locais", está sob investigação da Justiça, da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) por supostas violações à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), ao Código de Defesa do Consumidor e possíveis práticas anticoncorrenciais. A razão é o uso de dados de usuários do Facebook e do Instagram para desenvolver modelos de inteligência artificial generativa.
Em 6 de junho, o fundador da Meta, Mark Zuckerberg, havia afirmado, em evento local, que os brasileiros receberiam a tecnologia em julho. A expansão anunciada na terça, contudo, chegou apenas a Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru, Camarões e Índia.
Em nota enviada à Folha, o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, diz que "sempre teve e pretende manter bom diálogo" com a Meta. "Mas a medida de deixar o Brasil fora do lançamento do novo modelo de inteligência artificial da big tech, não implicará recuo por parte da Senacon", afirmou.
A secretaria intimou, em 2 de julho, a Meta a explicar o uso de dados pessoais de brasileiros para treinar sua inteligência artificial, após alteração da política de privacidade do Facebook e do Instagram em 22 de maio.
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Na ocasião, a Senacon disse que investigaria se a conduta da big tech configuraria "prática manipulativa que dificultaria o exercício dos direitos dos consumidores e a falta de informações adequadas. Questionou também a legalidade desse uso dos dados dos usuários, o uso do legítimo interesse como justificativa para o tratamento de dados e a ausência de uma finalidade específica.
Damous afirma que "tomará as medidas cabíveis em quaisquer situações em que o Código Nacional do Consumidor brasileiro e as leis que regem a relação de consumo no Brasil não forem cumpridos, seja pela Meta ou qualquer outra empresa."
Em 17 de junho, a Senacon já havia imposto decisão cautelar contra a Meta, por causa de anúncios fraudulentos sobre a catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul, que circulavam nas redes sociais da empresa sem moderação adequada. A secretaria disse que não tem mais detalhes sobre o caso.
Procurados pela Folha, a ANPD e o Cade não comentaram.
A entidade que reúne as big techs no Brasil, camara-e.net (Câmara Brasileira da Economia Digital), também não se pronunciou.
Para o Idec, que denunciou a conduta da Meta, a justificativa da Meta a partir de "incertezas regulatórias no país" é questionável, já que a LGPD permite diversas atividades, desde que a empresa cumpra os requisitos de transparência e prestação de contas e obtenham um consentimento válido do usuário nesse caso do treinamento de IA. "O comunicado da Meta pode ser interpretado como uma espécie de punição coletiva", diz a entidade.
A entidade afirma que a Meta teria os recursos necessários para utilizar o Meta AI com base em consentimento válido, mas até o momento escolheu não seguir esse caminho. "Enquanto as empresas focam na inovação de suas tecnologias, escondem que não é nenhuma inovação suas condutas reiteradamente contra direitos de seus usuários."
Na Europa, onde a Meta também encontra dificuldades para justificar o uso de dados dos usuários de redes sociais para desenvolver modelos de inteligência artificial, a chegada do Meta AI também foi adiada.
Em carta aberta, Zuckerberg, o fundador da Meta, afirma esperar que o Meta AI ultrapasse o ChatGPT em número de usuários nos próximos meses, com o impulso das redes sociais, e "seja a plataforma de IA mais acessada do mundo nos próximos meses".
Entidades antimonopolistas europeias e a brasileira (o Cade) também apuram se essa conduta configuraria uma "concentração vertical". Nessa prática, conglomerados se apoiam no domínio que detém sobre um setor da economia para manter controle sobre outra atividade —no caso, seria usar as redes sociais para se projetar no mercado de inteligência artificial.