Sair mais tarde da casa dos pais, ter acesso a aplicativos de corretoras e crescer em meio a um salto exponencial do mercado financeiro —e a influenciadores desse nicho— tem levado jovens brasileiros a investirem mais cedo que seus pais. Os objetivos, porém, seguem semelhantes: ter a casa própria e segurança financeira.
Estudo do Fórum Econômico Mundial divulgado na útlima semana mostra que a geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) começa a aprender sobre investimentos e a investir mais cedo que as gerações anteriores. Enquanto 36% dos jovens poupam desde antes de começar a trabalhar, apenas 17% dos millenials (1981 a 1996), 10% da geração X (nascidos entre 1965 a 1980) e 8% dos baby boomers (1946 e 1964) fazem o mesmo.
A pandemia também impulsionou a poupança das gerações mais novas, com mais tempo em casa e menos gastos.
"Foi uma época que eu voltei a morar com os meus pais, e trabalhava de casa. Como eu não estava tendo praticamente gasto nenhum, decidi guardar um dinheirinho", diz Vitor Ross Benavides, 26.
O administrador diz que aprendeu, principalmente, com vídeos do Youtube. Entre seus objetivos estão reserva de emergência, viagens, aposentadoria e casa própria. Para isso, investe quase tudo em renda fixa. "Ainda mais hoje em dia, com os juros nas alturas", afirma Benavides.
Seus pais, porém, não investem. "Meu pai tentou botar algum dinheiro em criptomoeda, mas foi em um site nada a ver com nada que ele recebeu por spam no email e perdeu todo o dinheiro que colocou."
Na pesquisa do Fórum Econômico Mundial, considerando todas as idades entrevistadas, 29% disseram evitar ações por falta de entendimento, enquanto 24% dizem o mesmo sobre criptomoedas.
Contabilizando as gerações Z e millennials, 40% dizem se sentir confiantes sobre sua capacidade de entender o mercado financeiro e fazer boas decisões de investimento. Esse percentual é menor entre os mais velhos, com 27% dos X e 20% dos boomers.
"Familiaridade é muito importante nos investimentos. As pessoas tendem a ver menos risco naquilo que conhecem", diz Hulisses Dias, especialista em finanças e investimentos, conhecido como Tio Huli nas redes sociais.
O influencer vende cursos sobre como investir. Segundo ele, já foram mais de 51 mil alunos, de 13 a 90 anos.
"Jovens procuram a próxima Amazon. Evitam ações estáveis que rendem bons dividendos e preferem bitcoin a ações, pois há muitas histórias positivas de enriquecimento com criptomoedas nas redes sociais, o que gera um movimento de manada", afirma Dias.
Quando ingressam no mercado de trabalho, 86% da geração Z já começou a aprender sobre investimentos, contra 47% dos boomers.
É o caso de Maria Antônia Carvalho Deziderio, 24. "Comecei em 2020. Era pouquíssima grana, R$ 20 por mês. Sou estudante e me sustentava por bolsas e por estágios. Em 2021, meu estágio melhorou e comecei a colocar R$ 100 por mês na renda fixa."
Um dos seus objetivos de longo prazo era um intercâmbio, mas o maior motivador era o medo de faltar.
"Sou uma pessoa que precisa ter dinheiro guardado. Tenho essa disciplina. Não sou assalariada e não venho de uma família que tem muita grana, e eu sempre me vi muito nervosa não tendo dinheiro. Mesmo tendo pouco, sempre tivemos a coisa de economizar", afirma a hoje mestre em direito.
Seu primeiro investimento, porém, veio do seu pai. Uma poupança com R$ 500 quando ela nasceu. "Só que, quando eu comecei a ter conta de banco, a poupança não rendia nada. Então, passei esse dinheiro para o CDI", conta ela. Os pais seguem na poupança por falta de conhecimento sobre finanças.
"Depois comecei a investir em fundo imobiliário por conselho do meu banco, já que não incide Imposto de Renda. Mas estou querendo mudar, acho que esses fundos não estão rendendo o suficiente", diz Maria Antônia, que diz sentir não ter aprendido a investir até hoje.
Já Artur Rovere, 27, conseguiu influenciar os pais a investirem. "Meu pai já se aposentou, minha mãe não, mas ambos ainda trabalham porque precisam."
Ele começou a investir há quatro anos, quando começou a ganhar o bônus no escritório de advocacia onde trabalha. "Vi que era importante deixar rendendo com a inflação e fui no mais seguro, na renda fixa atrelada ao CDI. Também investir em LCA [Letra de Crédito do Agronegócio] e debêntures."
Recentemente, sacou parte dos seus investimentos e deu entrada em um imóvel.
"Hoje, tenho reserva de emergência a 102% de CDI no CDB do banco, e costumo falar com meu assessor de investimentos, mas me sinto despreparado para ter renda variável. Tenho um pouco de medo. Minha ideia é manter o valor do dinheiro e não crescer o patrimônio", diz Rovere.
No levantamento do Fórum, em relação à escolha de produtos, os respondentes disseram não investir em determinada aplicação por não a entenderem (26%) ou a acharem muito imprevisível (21%) ou por não se alinharem com os objetivos financeiros daquele produto (21%).
Já os respondentes que não investem citaram como maior razão não ter dinheiro o suficiente. Há dois anos, porém, o motivo mais citado era o medo de perder dinheiro.
Os dados fazem parte da Global Retail Investor Outlook 2024, desenvolvida em parceria com a Robinhood Markets e o Boston Consulting Group. A pesquisa foi feita em setembro com 13 mil pessoas maiores de 18 anos de 13 países (Austrália, Brasil, China, França, Alemanha, Índia, Irlanda, Japão, Singapura, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Estados Unidos).
Considerando os respondentes de todas as idades, o objetivo de investir mais citado foi "ter dinheiro para uma emergência". Na última pesquisa, de 2022, a finalidade mais mencionada era "juntar dinheiro para se aposentar".
RENDA VARIÁVEL
O estudo ainda demonstrou que um percentual maior de jovens investe mais em mercados internacionais, com 45% dos Z e millennials, ante 35% dos X e boomers, e em ativos digitais. Entre os investidores abaixo de 44 anos que possuem criptomoedas, mais da metade alocou pelo menos um terço de seu portfólio para isso, aponta o Investor Outlook.
Matheus Zamboni, 22, é um deles. "Comecei com um pouco bitcoin, por ser a mais conhecida, e fui aumentando e comprei também ethereum, solana e XRP".
Ao todo, na carteira, há mais investimentos do que ele consegue lembrar. Entre eles, Tesouro Direto, CDBs, fundos imobiliários e ações, tanto na Bolsa brasileira, como em Wall Street. "Mas é uma quantidade pequenininha, pelo valor do dólar."
O estudante de geografia aprendeu a investir junto com sua mãe, da geração X, na pandemia. "Ela sempre me acompanhou nesse processo. Ela investe em todas as mesmas classes de ativos que eu. Me espelhei nisso de guardar e poupar para o futuro."
Na pesquisa, metade dos jovens entrevistados tinha pais com contas de investimento, mais do que a geração X (34%) e os boomers (22%).
Os mais novos também estão mais abertos a conselhos financeiros baseados em inteligência artificial (41%) e permitiriam que um assistente de IA gerenciasse seus investimentos (48%).
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
Outro ponto de distinção entre os jovens é o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa).
42% da geração Z respondeu que frequentemente leva em conta impactos ambientais e sociais do produto ou da companhia antes de investir neles. Outros 13% disseram considerar este fator quase sempre. Entre os millennials, esses percentuais foram de 40% e 15%, respectivamente.
Apenas 30% e 21% dos entrevistados da geração X e os boomers consideram os impactos ambientais e sociais com frequência e 8% e 6% desta faixa etária, quase sempre.
"Dada essa mudança sustentada na demografia dos investidores, é fundamental que os líderes reavaliem o panorama dos investimentos de varejo e garantam que os investidores individuais estejam equipados com a educação financeira certa e as ferramentas de investimento que apoiem seus objetivos financeiros", diz Natalya Guseva, chefe de Mercados Financeiros no Fórum Econômico Mundial.
Uma estimativa da gestora americana Cerulli aponta que US$ 124 trilhões, atualmente nas mãos de baby boomers e gerações mais velhas, devem ser transferidas para as mais novas até 2048.
Pensando neste público, o Banco do Brasil anunciou na última sexta-feira (28), a abertura de dez fundos de investimento para a conta de clientes de 8 a 17 anos, totalizando 12 fundos múltiplas estratégias, como Renda Fixa e Multimercado, tanto de gestão própria quanto de outras gestoras.
O interesse pelo mundo dos investimentos vem crescendo rapidamente entre os jovens", Eduardo Villela, executivo de Captação e Investimentos do Banco do Brasil.
Segundo estimativas do Bank Of America, em aproximadamente cinco anos, a Geração Z terá acumulado US$ 36 trilhões e esse valor deve aumentar para US$ 74 trilhões por volta de 2040. Em 2023, era apenas US$ 9 trilhões. "É provável que eles estejam entre as gerações mais disruptivas para economias, mercados e sistemas sociais", diz relatório da instituição dos EUA publicado neste mês.
INVESTIDOR NO BRASIL
No recorte por países, os investidores de nações emergentes são mais confiantes, segundo a pesquisa. Também são eles que mais investem em criptomoedas, com 36% dos entrevistados de países emergentes contra 27% da média global.
Outra diferença é que a maioria dos investidores em países desenvolvidos diz ter aprendido a investir na prática, enquanto a maioria emergente aprendeu com recursos educacionais de instituições financeiras.
Com relação aos brasileiros que participaram da pesquisa, 89% disseram que conseguem arcar com os custos básicos diários, abaixo do Reino Unido (91%), mas acima de Estados Unidos (85%).
No entanto, apenas 57% dos brasileiros disseram que poderiam arcar com uma grande despesa inesperada. O país foi o segundo pior neste quesito, atrás apenas da África do Sul (55%).
No Brasil, 43% também disseram estar preocupados que as economias não sejam o suficientes para o resto da vida, e 31% disseram ter dificuldade em pagar dívidas e obrigações.
Para ajudar no planejamento financeiro, 40% dos brasileiros usam um aplicativo de orçamento, ante uma média global de 27%.
A pesquisa também destacou o impacto do Open Finance no Brasil, com 60% dos locais dispostos a compartilhar dados pessoais com instituições financeiras. Nos países desenvolvidos, esse percentual é de 47%.