O Ministério do Planejamento e Orçamento estima que terá que pagar cerca de R$ 115 bilhões de precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais) em 2026, último ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O valor é usado para construir a proposta de Orçamento do ano que vem e é peça-chave para avaliar o ritmo de crescimento dessas despesas, que já foram chamadas no passado de "meteoro" pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Pelas regras atuais, todos os precatórios terão que entrar no limite de gastos do arcabouço fiscal e ser contabilizados na meta fiscal a partir de 2027. Hoje, uma parcela das sentenças fica de fora após acordo costurado pelo governo com o STF (Supremo Tribunal Federal) —neste ano, por exemplo, serão pagos cerca de R$ 44 bilhões sem afetar as regras fiscais.
O gasto com precatórios é um dos principais fatores de pressão sobre a regra fiscal criada pelo governo Lula, já que, em agosto de 2026, o Executivo terá que enviar ao Congresso a proposta de Orçamento de 2027 com a incorporação total desses gastos, poucos meses antes das eleições presidenciais.
Problema semelhante foi vivido por Bolsonaro em 2022. Sem espaço para acomodar despesas já contratadas e promessas de campanha, Guedes enviou o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2023 com cortes em várias políticas públicas, com o programa Farmácia Popular, e sem recursos suficientes para bancar o Auxílio Brasil de R$ 600 por família —o que acabou sendo tema de campanha eleitoral.
Técnicos da área econômica do governo ouvidos pela Folha alertam que Lula pode enfrentar o mesmo dilema em 2026, caso demore para buscar uma saída para o problema dos precatórios.
Entre eles, havia a expectativa de que seria possível sinalizar algum encaminhamento do problema com uma medida estrutural no envio do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2026, previsto para esta terça-feira (15). Mas agora já admitem que isso não deve acontecer.
O valor de R$ 115 bilhões é uma estimativa inicial, que pode sofrer alteração com a consolidação de sentenças menores, que não devem superar R$ 1 bilhão, segundo pessoas a par das discussões. O total de despesas com precatórios considera também as chamadas RPVs (Requisição de Pequeno Valor), que contempla pagamentos de até 60 salários mínimos.
Um ministro que integra a JEO (Junta de Execução Orçamentária), ouvido pela reportagem na condição de anonimato, diz que os precatórios são um problema a ser resolvido para o ano que vem. No entanto, o interlocutor reconhece que o governo ainda não colocou em seu radar uma avaliação sob o ponto de vista do impacto nas eleições.
As discussões têm sido na direção de buscar uma solução estrutural para evitar ter de recorrer a alguma medida no desespero, em cima da hora, segundo um auxiliar do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
VEJA AS PROPOSTAS EM DISCUSSÃO PARA OS PRECATÓRIOS
As discussões em torno de propostas concretas ainda são incipientes e não há decisão tomada, mas algumas possibilidades já estão em análise.
Uma delas é retirar os precatórios do limite de despesas do arcabouço fiscal, mas mantê-los no cálculo da meta fiscal. Isso significa, na prática, que o crescimento das despesas com sentenças não levaria a um achatamento imediato das demais políticas.
Por outro lado, a permanência dos gastos na meta de resultado primário obrigaria o governo a se manter vigilante sobre sua trajetória e adotar medidas para minimizar as sentenças judiciais, sob pena de ter que encontrar receitas para cobrir a fatura ou realizar contingenciamentos sobre as demais despesas. Essa proposta, porém, não é unanimidade dentro do Executivo.
Outra possibilidade é elevar de forma permanente o limite de gastos e abrigar sob esse teto estendido a totalidade dos precatórios. A solução, no entanto, não elimina o risco de que o crescimento acelerado das sentenças leve a uma redução significativa do espaço para as demais políticas públicas.
Em 2023, o governo Lula instituiu um Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais, formado por Fazenda, Planejamento e AGU (Advocacia-Geral da União). O órgão é assessorado por um comitê técnico, que se reuniu no início de abril para discutir o plano de ações para 2025.
A trajetória dos precatórios está no centro das preocupações deste comitê, sobretudo pelo impacto potencial nas contas do país. O desafio, porém, é que muitas das ações que geram precatórios são descentralizadas. O governo tem observado ainda a crescente judicialização de benefícios sociais, entre eles o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
No primeiro ano do atual mandato de Lula, o Ministério da Fazenda regularizou o pagamento dos precatórios, que haviam sido diluídos e adiados por Bolsonaro, e tentou também emplacar uma solução estrutural. A proposta era pagar juros e encargos como despesa financeira, como revelou a Folha à época.
A proposta dividiu o governo, enfrentou resistências do Planejamento e do Banco Central (responsável pelas estatísticas oficiais de finanças públicas) e acabou sendo rejeitada pelo STF.