Levou décadas, mas cientistas podem finalmente ter encontrado a primeira ave da Terra.
Tudo começou em 1993 na Ilha Vega, ao largo da península Antártica. Um esqueleto sem cabeça de um pássaro emergiu de rochas que, com 68 milhões de anos, antecederam a extinção dos dinossauros. A espécie, batizada de Vegavis iaai, levou a um quebra-cabeça: que ave era aquela?
Em 2011, quase duas décadas depois, uma expedição à Antártida encontrou um crânio de pássaro que mais recentemente foi associado ao Vegavis iaai. Em uma análise publicada na última quarta-feira (5) na revista Nature, pesquisadores sugerem que o misterioso pássaro antártico é um parente antigo dos gansos e patos de hoje e seria a ave moderna mais antiga conhecida.
"É exatamente o tipo de coisa de que precisamos para ajudar a preencher uma lacuna evolutiva", disse o paleontólogo Christopher Torres, da Universidade de Ohio, autor do artigo. Mas ele admitiu: "É isso também que torna o achado tão incrivelmente controverso".
Nas últimas décadas, segundo Torres, pesquisadores que estudam a genômica das aves sugeriram que algumas famílias de aves modernas —especialmente as aquáticas e de caça— provavelmente surgiram antes do impacto do asteroide que eliminou os dinossauros não avianos. Porém, antes da descoberta do Vegavis iaai na década de 1990, nenhum fóssil característico havia sido identificado, deixando uma lacuna entre os dados moleculares e as evidências físicas rochosas.
A mistura de características esqueléticas arcaicas e modernas no espécime original do Vegavis iaai também tornou difícil a sua classificação, de acordo com o paleontólogo Chase Brownstein, da Universidade de Yale, que não esteve envolvido na pesquisa.
Alguns pesquisadores sugeriram que Vegavis iaai poderia ter pertencido a uma das várias famílias de aves mesozoicas extintas —algumas com bicos dentados e dedos de asa com garras— que não sobreviveram à extinção do período Cretáceo. Outros diziam acreditar que era uma ave moderna, mais próxima de mergulhões, mergulhões-pequenos ou gansos.
O crânio encontrado em 2011 ajudou a resolver esse impasse pré-histórico.
Os autores do novo estudo geraram uma reconstrução 3D quase completa da cabeça do pássaro. Eles descobriram que o Vegavis iaai tinha o bico sem dentes e a forma do cérebro característica das aves modernas, segundo Torres. Além disso, foram identificadas características específicas do crânio que eles dizem sugerir que o pássaro está intimamente relacionado às aves aquáticas modernas.
Mas —e aqui está a parte engraçada— o crânio é bastante diferente dos de patos ou gansos vivos. Seu bico era longo e pontiagudo. Tinha glândulas grandes para remover sal do corpo e músculos da mandíbula poderosos que permitiam ao pássaro fechar rapidamente o bico debaixo d'água.
Todo o esqueleto aponta para um pássaro que mergulhava na água em busca de peixes e se impulsionava com pernas poderosas, segundo Torres. Isso é diferente de qualquer ave aquática moderna, "e muito mais semelhante ao que vemos em mergulhões e mergulhões modernos".
Ainda de acordo com o estudo, apesar do plano corporal e da cabeça maluca do pássaro, os detalhes finos de seu crânio —incluindo sua mandíbula e bico— mostram características específicas que sugerem aves aquáticas.
Brownstein chamou a descoberta do crânio de Vegavis iaai de empolgante. No entanto, ele disse não estar convencido de que o achado seja suficiente para resolver o debate sobre a identidade do animal —ou para esclarecer quando linhagens de aves como as aves aquáticas apareceram.
Mesmo a interpretação mais conservadora do crânio indica que as aves modernas e seus parentes sem dentes mais próximos eram anatomicamente diversos no final do período Cretáceo, segundo o paleontólogo.
Outro pesquisador ficou entusiasmado.
O fato de que um pássaro com características tão modernas estava presente no final do reinado dos dinossauros sugere que outras linhagens principais de aves vivas provavelmente estavam presentes também, segundo o paleontólogo Gerardo Álvarez Herrera, do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, que não estava envolvido no estudo.
Na avaliação dele, é possível que futuras explorações descubram "os ancestrais de avestruzes, galinhas, neoaves e patos que podem ter vagado ao lado de dinossauros não avianos".